Cédula de Produto Rural | Umas das ferramentas mais usadas na captação de crédito no agronegócio


Cédula de Produto Rural | Umas das ferramentas mais usadas na captação de crédito no agronegócio


O setor agropecuário brasileiro apresenta, já há muito tempo, um importante papel na economia nacional. Para se ter uma noção do peso do agronegócio na balança comercial brasileira, em 2019, o agro foi responsável por 21% do PIB nacional. Em 2023, o agronegócio aumentou sua participação para 23,8% do nosso PIB, com uma safra recorde de 322,8 milhões de toneladas em 2022/23¹. Apenas entre janeiro e março de 2024, estima-se que as exportações brasileiras referentes a este ramo de atividade somaram US$ 37,44 bilhões, recorde para o período².

Não há dúvida, portanto, que o agronegócio possui papel relevante no Brasil, seja para geração de emprego e renda, seja pelo aspecto da segurança alimentar ou da função social do agro para o país.

E como há de ser com toda atividade que exerce importante papel na sociedade, o agronegócio tem evoluído, muito além das técnicas de cultivo, manejo, maquinário, softwares, drones, entre outros relacionados aos meios de produção. Cite-se, como exemplo disso, as inovações referentes ao fomento de crédito, inclusive privado, nas atividades rurais. 

Para além das modalidades convencionais de financiamento – tais como mútuo, crédito pessoal, alienação fiduciária ou, mesmo, a Cédula de Crédito Rural –, a Cédula de Produto Rural – CPR tem sido um dos principais meios utilizados para o financiamento da cadeia produtiva do agro. 

O que é CPR?

A Cédula de Produto Rural é um título de crédito idealizado para servir ao Agronegócio. Diferentemente de outros títulos de crédito que configurem promessa de pagamento em dinheiro em um prazo determinado (como Notas Promissórias ou Cédulas de Crédito Bancário), pela CPR, a pessoa física ou jurídica se obriga a entregar o próprio produto rural, em data futura – como, por exemplo, certa quantidade de sacas de café ou de soja.

A CPR representa, então, a promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas (art. 1º, caput, da Lei 8.929/1994³) e está presente em boa parte das operações de concessão de crédito no mercado privado advindo do agro.

Quais produtos podem ser prometidos por meio da CPR?

As principais commodities podem ser prometidas a partir da emissão de uma Cédula de Produto Rural, tais como a soja, o milho, o café, o cacau, o leite, a laranja ou a banana, e, inclusive aquelas que já sofreram processo de industrialização e beneficiamento.

A legislação que instituiu a CPR definiu como produtos rurais, de forma abrangente, aqueles obtidos nas atividades (i) agrícola, pecuária, florestal, de extrativismo vegetal e de pesca e aquicultura, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico e da sua industrialização; (ii) relacionadas à conservação, à recuperação e ao manejo sustentável de florestas nativas e dos respectivos biomas; e (iii) de produção ou de comercialização de insumos agrícolas, de máquinas e implementos agrícolas e de equipamentos de armazenagem. 

Quem tem legitimidade para emitir CPR?

O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, inclusive com objeto social que compreenda em caráter não exclusivo a produção rural, a cooperativa agropecuária e a associação de produtores rurais que tenha por objeto a produção, a comercialização e a industrialização dos produtos rurais, bem como as pessoas naturais ou jurídicas que beneficiam ou promovem a primeira industrialização dos produtos rurais referidos no art. 1º, da Lei 8.929/1994, conforme previsão expressa do seu art. 2º[4].

Qual a diferença entre CPR Física e Financeira?

Ao contrário do que acontece na modalidade de CPR Física – ou seja, cuja obrigação assumida pelo produtor é de entregar o próprio fruto da produção –, a CPR Financeira outorga ao emitente a possibilidade de pagar em dinheiro o valor nela previsto. 

É que o §1º, do art. 1º da Lei 8.929/1994[5], incluído a partir da promulgação da Lei nº 13.986, de 2020, instituiu a possibilidade de se promover a liquidação financeira da CPR.

Para tanto, a legislação determina os requisitos de validade da CPR Financeira, em seu art. 4º-A, entre elas a expressão “financeira” ao final da denominação do título; a identificação expressa do preço acordado entre as partes e adotado para obtenção do valor da CPR; e, quando aplicável, a identificação do índice de preços, da taxa de juros, fixa ou flutuante, da atualização monetária ou da variação cambial a serem utilizados na liquidação do título.

Enquanto a CPR Física pressupõe a entrega de produto rural, a promessa de pagamento da CPR Financeira terá como objeto, por sua vez, obrigação essencialmente pecuniária.

Quais as vantagens da CPR?

A CPR possui algumas vantagens sobre outras modalidades de crédito, seja porque o legislador elaborou a Lei 8.929/1994 com o objetivo de fomentar a atividade rural; seja porque o produto rural pode ser utilizado como forma de pagamento e/ou garantia. 

Para além disso, a CPR possui outras vantagens e segurança. O próprio texto normativo cuidou de exigir que as declarações feitas no título sejam reais, perfeitas e exatas, sob pena de crime de estelionato (art.17, da Lei 8.929/1994)[6]. É dizer, a inserção de informação falsa ou inverídica na CPR é passível de responsabilização criminal. 

O crime de estelionato também pode ser imputado àquele que omita declaração de já estarem os bens oferecidos em garantia da CPR sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, até mesmo de natureza fiscal. Significa dizer que a garantia da CPR não pode ser objeto de penhora, sequestro e/ou constrição por outro crédito, isto é, por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real (art. 18, da Lei 8.929/1994[7]).

Para além disso, o crédito constituído pela Cédula de Produto Rural com liquidação física não está sujeito aos efeitos da Recuperação Judicial (RJ). Ou seja, se o devedor tem deferido o pedido de RJ, o crédito estampado na CPR continua sendo exequível pelo credor, não se sujeitando, portanto, ao stay period ou ao juízo universal da Recuperação Judicial (art. 11, da Lei 8.929/1994[8])[9]. 

É possível a satisfação judicial da CPR, por meio de ação de execução de entrega de coisa incerta (art. 15[10])[11], sendo considerada título líquido e certo, exigível pela quantidade e qualidade de produto ou pelo valor nela previsto, no caso de liquidação financeira (art. 4[12]).

É necessário o registro da CPR?

Como visto, a CPR é, mesmo, um dos mais importantes meios de financiamento do agronegócio no país. 

As recentes alterações promovidas na Lei 8.929/1994 instituíram que as operações de crédito via CPR devem ser registradas nas entidades de ativos financeiros autorizadas pelo Banco Central, como, por exemplo, a B3, independentemente do valor da operação, sob pena de não lhe serem conferidas validade jurídica e eficácia. Vale dizer: as operações não registradas implicam na perda da essência do título e da sua validade enquanto Crédito de Produto Rural. 

Com efeito, embora a legislação que cuida da CPR tenha sido promulgada em 1994, o registro do título se tornou necessário com as alterações legislativas havidas a partir da Lei 13.986, de 2020 e, posteriormente, pela Lei 14.421, de 2022. 

Assim, a atual redação do art. 12, da Lei 8.929/1994, estabelece que todas as Cédulas de Produto Rural emitidas após 31 de dezembro de 2023 deverão ser registradas, independentemente do seu valor[13]. 

Logo, todo e qualquer negócio subsidiado por uma CPR, independentemente do valor envolvido no título, deverá ser registrado perante entidades de ativos financeiros autorizadas pelo Banco Central, garantindo-se a observância da lei, bem como a transparência, a publicidade, a validade, a segurança jurídica e a própria eficácia da operação, com todos seus ônus e bônus.

Por fim, é importante destacar que o registro acima referido é diverso do registro cartorário exigido por algumas entidades / cooperativas. O registro em cartório, do penhor, por exemplo, é negociado entre as partes signatárias no título e não necessariamente é exigido como requisito de validade e eficácia da CPR, tal como é o registro da Cédula de Produto Rural nas entidades de ativos financeiros autorizadas pelo Banco Central.

¹ https://rehagro.com.br/blog/agronegocio-no-brasil-qual-o-seu-papel-e-importancia/#:~:text=Em%202019%2C%20o%20agroneg%C3%B3cio%20como,representou%205%25%20do%20PIB%20nacional.

² https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202404/exportacoes-do-agronegocio-brasileiro-batem-recorde-no-primeiro-trimestre-de-2024-e-atingem-us-37-44-bilhoes#:~:text=Agricultura-,Exporta%C3%A7%C3%B5es%20do%20agroneg%C3%B3cio%20brasileiro%20batem,atingem%20US%24%2037%2C44%20bilh%C3%B5es&text=De%20janeiro%20a%20mar%C3%A7o%20de,janeiro%20e%20mar%C3%A7o%20de%202023.

³ Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas.

4  Art. 2º Têm legitimação para emitir CPR: I - o produtor rural, pessoa natural ou jurídica, inclusive com objeto social que compreenda em caráter não exclusivo a produção rural, a cooperativa agropecuária e a associação de produtores rurais que tenha por objeto a produção, a comercialização e a industrialização dos produtos rurais de que trata o art. 1º desta Lei; II - as pessoas naturais ou jurídicas que beneficiam ou promovem a primeira industrialização dos produtos rurais referidos no art. 1º desta Lei ou que empreendem as atividades constantes dos incisos II, III e IV do § 2º do art. 1º desta Lei.

5  Art. 1º (...) § 1º Fica permitida a liquidação financeira da CPR, desde que observadas as condições estipuladas nesta Lei.

6  Art. 17. Pratica crime de estelionato aquele que fizer declarações falsas ou inexatas acerca de sua natureza jurídica ou qualificação, bem como dos bens oferecidos em garantia da CPR, inclusive omitir declaração de já estarem eles sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, até mesmo de natureza fiscal.

7  Art. 18. Os bens vinculados à CPR não serão penhorados ou seqüestrados por outras dívidas do emitente ou do terceiro prestador da garantia real, cumprindo a qualquer deles denunciar a existência da cédula às autoridades incumbidas da diligência, ou a quem a determinou, sob pena de responderem pelos prejuízos resultantes de sua omissão.
 
8 Art. 11. Na?o se sujeitara?o aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.
 
9 Nesse mesmo sentido, é a jurisprudência pátria: “EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Entrega de coisa certa (soja) – Cédula de Produto Rural – Embargos dos devedores rejeitados – Ajuizamento de ação de recuperação judicial que não acarreta a extinção da execução, nem a competência do Juízo da recuperação para todas as execuções singulares – Crédito da embargada que, ademais, não se sujeita à recuperação judicial, nos termos do artigo 11, da Lei Federal nº 8.929/94 (...)”(TJ-SP - AC: 10309884920218260002 SP 1030988-49.2021.8.26.0002, Relator: Sá Duarte, 33ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2022)
 
10 Art. 15. Para cobrança da CPR, cabe a ação de execução para entrega de coisa incerta.
 
11 A jurisprudência entende, ainda, que é plenamente possível a conversão da ação de execução de entrega de coisa incerta em ação de execução de quantia certa, mediante liquidação prévia (TJ-MG - AI: 10000212062061001 MG, Relator: Amauri Pinto Ferreira, Data de Julgamento: 15/12/2021, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/12/2021)

12 Art. 4º A CPR é título líquido e certo, exigível pela quantidade e qualidade de produto ou pelo valor nela previsto, no caso de liquidação financeira

13 Art. 12 (...) §6º A dispensa de que trata o inciso II do § 5º deste artigo não se aplica à CPR emitida após 31 de dezembro de 2023.