A compensação entre as áreas de reserva florestal legal e de preservação permanente


A compensação entre as áreas de reserva florestal legal e de preservação permanente


Tema de grande relevância e atual no Poder Judiciário nacional, a regularização da Reserva Legal em propriedades rurais provoca discussão jurídica no setor agropecuário. A Reserva Legal (RL) foi instituída pelas Leis Federais nº 7.803/89 e 4.771/65 (Código Florestal), esta última alterada pela Medida Provisória nº 2.166-67/01 (MP). Em linhas gerais, estabeleceu-se que todo proprietário de área rural deve preservar 20% da sua propriedade, quando situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa, nas regiões do País que não integrem a Amazônia Legal (nesta área, o percentual deverá ser de 35% quando situada em área de cerrado).

Importante ressaltar que a RL destina-se ao uso sustentável de recursos naturais, à conservação e à reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas, visando combater o processo de devastação das florestas.

Neste diapasão, além da área de RL é também obrigatório demarcar a Área de Preservação Permanente (APP), definida como área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.

Verifica-se, portanto, a efetiva existência de uma relevante restrição administrativa à utilização da área útil de propriedades rurais para a produção agrícola e pecuária (a RL somada à APP, que certamente comprometerá área maior do que 20% de uma determinada propriedade). Esta restrição já começa a ser questionada quanto à possibilidade de se compensar a área destinada à RL com as APPs, limitando-se a restrição total o mais próximo possível de 20% da propriedade (exceto na Amazônia Legal).

A MP, entretanto, alterou o art. 16 do Código Florestal e acrescentou o §6º, permitindo o cômputo no cálculo da Reserva Legal das áreas declaradas como APP, exclusivamente naqueles casos em que a soma da RL e da APP exceda a 50% da área total da propriedade, autorizando os proprietários a explorar melhor o potencial produtivo de suas propriedades. Ocorre que a alteração não alcançou a finalidade pretendida e passa a ser questionada. Vejamos brevemente.

Conforme se depreende de alguns casos concretos, são beneficiados por essa alteração tão-somente os proprietários que possuem área de APP superior a 30% da área total de sua propriedade. Como exemplo, citamos duas fazendas vizinhas, com a mesma área total (100 hectares), as quais têm, respectivamente, 33% e 20% de APP.

Na primeira hipótese, com APP de 33 hectares, o proprietário deveria reservar mais 20 hectares como RL. Assim, teria 53 hectares da sua área total comprometida e alcançaria o percentual mínimo exigido pela MP para o aproveitamento da APP na área que destinaria à RL, comprometendo apenas 33 hectares.

Já na segunda hipótese, com APP de 20 hectares, o proprietário estaria submetido a restrição de uso da área total de 40 hectares, quando somada a RL à APP, e não alcançaria, desta forma, o percentual mínimo de 50% estabelecido pela MP. Logo, não poderia, em tese, compensar a APP e a RL. Sofreria maior restrição, embora com APP menor.

Conclui-se, posto isso, que todos os proprietários de terra cujas propriedades não contemplem pelo menos 30% de APP jamais alcançarão o percentual mínimo exigido pela MP para se compensar a APP no cômputo da RL e permanecerão prejudicados em relação às propriedades com APP superior a 30%.

Resta evidente, portanto, que a MP não se aplica de maneira igualitária nem proporcional aos proprietários de áreas rurais, violando princípios constitucionais e regras aplicáveis à Administração Pública. Afinal, se a norma não é geral, se não se aplica de forma igualitária, os princípios constitucionais da Isonomia, Razoabilidade e Proporcionalidade ficam maculados e ensejam a inconstitucionalidade da regra, por atribuir à RL (naqueles casos que não se enquadram no art.16, §6º do Código Florestal) caráter confiscatório. Resta aos prejudicados avaliar a conveniência de pleitear junto ao Poder Judiciário, de forma individual ou coletiva, a faculdade plena de se computar a APP como RL, valendo-se dos vícios suscitados neste breve texto.