Administração com pé-de-cabra


Administração com pé-de-cabra


Nelson Rocco

O governo federal resolveu abrir o cofre na semana passada, em mais alguns passos para dar liquidez ao mercado, muito nervoso. O segredo foi aberto em etapas. Primeiro veio o anúncio de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) faria aportes no setor de construção civil da ordem de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões, como forma de garantir a expansão e a atividade na área residencial – altamente geradora de empregos e dividendos políticos.

A segunda abertura do cofre foi feita com um pé-de-cabra, sem cerimônias, com medida provisória publicada no Diário Oficial da União. Nada de anúncio prévio ou explicações. Apenas o preto no branco. A MP habilita o Banco do Brasil a investir em participações acionárias de outras instituições financeiras, fundos de pensão, além de empresas de capitalização e previdência. A aquisição pode ser total ou parcial. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que não há bancos em dificuldade. Que a MP é preventiva. E que não há motivos para pânico.

Outro ponto fundamental da MP 443 é a possibilidade de a Caixa Econômica Federal comprar partes ou o controle de construtoras, por meio da recém-criada CaixaPar. Faltou dizer para o cidadão comum e para os interessados como se darão essas aquisições, tanto de construtoras como de bancos. Nada ficou claro na semana passada.

Não se sabe se a preocupação do governo é apenas com algumas das empresas de construção com ações em bolsa de valores, um grupo de cerca de 25 companhias, que foram ao mercado, se capitalizaram com a oferta de ações, gastaram os recursos na aquisição de terrenos e, com a escassez de crédito no mercado internacional, ficaram sem ter como tocar as obras.

Não seria lógico supor que a decisão governamental seria apenas para beneficiar um grupo seleto. Se há falta de liquidez, como lembra Rodrigo Badaró, do escritório Azevedo Sette Advogados, a mera compra de ações não resolve. Poderia, então, ser criada uma linha de crédito especial para esse setor. Essa hipótese – de compra de participação acionária – poderia ser questionada, inclusive, do ponto de vista da isonomia, já que as construtoras que não têm o capital aberto não teriam como colocar as mãos em um tostão do dinheiro que sairá da CaixaPar. E quem tem o capital fechado, não poderá ter a Caixa como sócio?

A governança corporativa também poderá vir a ser invocada diante das futuras aquisições da CaixaPar. Imagine-se a seguinte situação: a nova subsidiária da Caixa – o grande emprestador do Sistema Financeiro da Habitação – decide comprar 10% do capital de uma determinada construtora ou incorporadora. Feito o investimento, essa companhia lança um empreendimento em uma cidade qualquer, com parte das obras financiadas pela própria Caixa, que também irá dar crédito para a compra dos imóveis pelos adquirentes. É no mínimo questionável do ponto de vista da governança. Por que não elevar o montante que a Caixa destina às companhias ou elevar o percentual de financiamento em relação ao preço de um imóvel?

Há outros instrumentos que o governo federal poderia usar para garantir mais liquidez ao setor. Fabio Nogueira, executivo da Brazilian Finance & Real Estate – que, entre outras atividades, administra fundos de investimentos imobiliários -, afirma que uma hipótese seria usar parte dos recursos da caderneta de poupança recolhidos como compulsório para comprar quotas de fundos, letras hipotecárias ou recebíveis imobiliários e, dessa forma, irrigar o setor.

Os próprios empresários da construção se disseram surpresos com as bondades contidas na MP, e que elas não vieram de negociações que estavam sendo travadas entre seus representantes e os funcionários do governo. Muita coisa ainda está sem explicação.

Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 2 – 27 de outubro de 2008