Ainda falta o maior parceiro


Ainda falta o maior parceiro


Os investimentos com parcerias público privadas já somam 9 bilhões de reais todos de estados e municípios. Hesitante em relação às PPPs, o governo federal ainda não fez nenhuma

Há pouco menos de dois anos, a prefeitura de Rio das Ostras, cidade localizada no litoral norte fluminense, assinou com a empreiteira Odebrecht Engenharia Ambiental um contrato para a realização de um grande projeto de saneamento. Com investimento de 353 milhões de reais, desde o início do ano as obras estão concluídas e já atendem 12 000 moradias das áreas mais pobres do município. Trata-se de um prazo incomum num país em que obras públicas costumam se arrastar por anos ou décadas. Pelo empreendimento e pela manutenção e operação dos serviços, a Odebrecht receberá um pagamento mensal durante 15 anos, em boa parte proveniente de royalties do petróleo repassados à prefeitura pela Petrobras (Rio das Ostras tem praias de frente para a bacia de Campos, explorada pela estatal). A expansão do sistema de saneamento era uma urgência da cidade, que viu a população passar de 36 000 para 120 000 habitantes nos últimos quatro anos devido à atração exercida pelos negócios em torno do petróleo. “Não fosse essa parceria com o setor privado, as pessoas hoje atendidas talvez tivessem de esperar mais uns oito anos para contar com serviço de água e esgoto”, diz Nilton Teixeira, secretário de Serviços Públicos do município. “Além disso, liberamos dinheiro para investir em educação e saúde.”

O exemplo de Rio das Ostras mostra o potencial de impulsionar investimentos na infraestrutura que existe nas parcerias público-privadas, as PPPs. Essas parcerias são contratos de longa duração em que o setor privado assume um investimento e é ressarcido pelo poder público que pode ser um município, um estado ou a União depois que a obra ou o serviço já estão disponíveis. São usadas em empreendimentos que não oferecem retorno suficiente para atrair o investidor privado a assumi-lo integralmente. O setor público, nesse caso, entra cobrindo parte do custo. No Reino Unido, onde são adotadas há mais de 25 anos, já foram realizadas mais de 600 parcerias. No Brasil, a conta ainda está na casa de uma dúzia. Introduzidas há cinco anos com a criação de uma lei específica, as parcerias estão se disseminando aos poucos em estados e municípios brasileiros. Os que tomaram a dianteira, como Rio das Ostras responsável pela primeira PPP no setor de saneamento, estão colhendo resultados.

Até agora, porém, o governo federal, que poderia e deveria ser o responsável pelo maior volume de investimento, não conseguiu assinar nenhum contrato. Assim como ocorre com o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, a marcha das parcerias da União é vagarosa. Um levantamento feito pelo escritório de advocacia Azevedo Sette indica que as PPPs já mobilizam quase 9 bilhões de reais em investimentos nos municípios e nos estados. Esse valor inclui somente contratos assinados, cujas obras e serviços estão em andamento ou prestes a começar. No caso da União, o investimento ainda está na estaca zero. Por que a União não conseguiu realizar parcerias? Em tese, o governo federal teria tudo para ser o primeiro e o maior beneficiário das PPPs. Embora sua concepção tenha começado na gestão de Fernando Henrique Cardoso, foi o governo Luiz Inácio Lula da Silva que criou as bases para que elas pudessem ser feitas. Ou seja, eis um campo em que o presidente Lula poderia usar seu bordão mais famoso “Nunca antes na história deste país…” sem correr o risco de ser desautorizado pela oposição. Desde dezembro de 2004 a legislação federal de PPP está aprovada. O governo chegou a listar 23 projetos prioritários que poderiam ser tocados em parceria. Daí em diante, as coisas empacaram.

Os dois projetos escolhidos para ser os primeiros foram a ferrovia Norte-Sul e a recuperação de trechos da BR-116 e da BR-324 na Bahia. Estudos posteriores mostraram que ambos poderiam ser feitos na forma de concessão comum o que levou à desistência de levá-los com parcerias. Tentativas realizadas desde então para iniciar as PPPs com outros projetos não vingaram. “No governo federal há gente que ainda tem resistência ideológica a trabalhar com o setor privado e, por isso, até agora eles não conseguiram apresentar um modelo de PPP”, diz Paulo Resende, especialista em logística da Fundação Dom Cabral. Essas resistências se dariam, por exemplo, a respeito da adoção de pedágios nas estradas para remunerar os investimentos. É algo como querer fazer omelete sem quebrar os ovos. Enquanto o governo não descobre a fórmula mágica para oferecer boas estradas sem cobrar nada por isso, rodovias vitais para o escoamento da produção, como a BR-040, que liga Juiz de Fora a Brasília, continuam em estado precário.

Para Ana Teresa Holanda de Albuquerque, chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, onde está abrigada a unidade de PPP do governo federal, a comparação com estados e municípios que já conseguiram fazer parcerias não é justa. “O governo federal é diferente, porque aqui concentramos as demandas de consultoria e estudos das unidades da federação”, diz ela. “Nossos projetos têm uma complexidade maior e temos atuado dando treinamentos.” Entre os projetos em andamento estão dois de irrigação em áreas da Bahia e de Pernambuco e a recuperação de rodovias como a própria BR-040. “Talvez o processo pudesse ser mais rápido, mas trabalhamos com cuidado e estamos bastante confortáveis com o andamento”, afirma Ana Teresa. Há a expectativa de que o jejum de PPPs da União seja quebrado no final de setembro, quando sairá o resultado da concorrência para a construção de uma central de processamento de dados do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. O projeto pode ultrapassar 1 bilhão de reais, com serviços ao longo de 15 anos. É a segunda tentativa de licitá-lo. A primeira, feita em 2006, fracassou por problemas como o prazo de retorno para o investidor privado, longo demais. Ao final, nenhum candidato conseguiu chegar ao preço que o Banco do Brasil se dispunha a pagar. “Agora, encurtamos o prazo e tornamos o modelo mais atraente”, diz Jesualdo da Silva, executivo do Banco do Brasil encarregado do projeto.

Enquanto o governo federal patina, vários estados usam as PPPs para ganhar competitividade. Em Minas Gerais, o governo Aécio Neves criou um modelo chamado de PPP mineira. Por ele, empresas como usinas de açúcar e álcool, com projetos de expansão produtiva, podem apresentar projetos de investimento para melhorar estradas que escoam seus produtos. O valor investido é devolvido posteriormente, com desconto no ICMS adicional que for gerado pela expansão da atividade. “Hoje, em Minas, consolidamos a visão de que o setor privado pode cumprir um papel importante na infraestrutura, desde que existam modelos de negócios e de governança adequados”, diz Luiz Athayde, coordenador da Unidade de Parcerias Público-Privadas do estado. De acordo com ele, 500 quilômetros de estradas e trevos já foram reformados com acordos desse tipo. “Com as parcerias, o estado multiplica a capacidade de investimento e de melhoria de sua infraestrutura”, diz Alberto Goldman, vice-governador paulista. São Paulo utiliza PPPs para construir a linha 4 do metrô paulistano e em um projeto de produção de água potável. Agora, deve procurar parceiros para a modernização de estradas do litoral norte do estado, com investimentos próximos de 5 bilhões de reais.

Até agora, o ritmo brasileiro é de realização de dois a três contratos de parceria público-privada por ano. Na Inglaterra, a média anual é de 60 a 70. “Há uma grande frustração no mercado porque o governo federal, que tinha tudo a favor, não fez suas PPPs”, diz Maurício Endo, responsável por projetos dessa área na consultoria KPMG. “Parece que o governo ainda está numa fase de aprendizado.” Passados cinco anos, está na hora de mostrar que aprendeu.

Matérias publicada, Revista Exame