As chances de dar certo o Exame Prévio de Concentração


As chances de dar certo o Exame Prévio de Concentração


As autoridades de defesa da concorrência brasileiras prevêem para este ano a votação, pelo Congresso Nacional, das modificações que irão alterar profundamente a atual lei antitruste, Lei nº 8.884/94. A maioria dos advogados que atua na área torce para que essa expectativa se realize, pois é interesse de todos que alguns pontos da lei sejam reformados, com o objetivo de melhorar a capacidade de análise, pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), de atos e contratos que são realmente relevantes para a ordem econômica. O novo texto não foi disponibilizado para consulta pública, mas quem a ele teve acesso pode afirmar que algumas idéias merecem ser aplaudidas, ao passo que outros pontos precisam, ainda, ser objeto de reflexão.

Um dos principais gargalos do projeto de lei é a criação de um sistema de exame prévio de atos de concentração no país. Atualmente, as empresas têm o prazo de 15 dias, contados da assinatura do primeiro documento vinculativo, para a apresentação do ato ou contrato ao SBDC. Vale recordar que a Lei nº 8.884/94 faculta às partes notificarem o ato previamente à sua realização, mas é certo que poucas empresas o fazem, e o que se vê, na prática, é a concretização da operação antes da aprovação pelo CADE. O projeto, por sua vez, retira das partes esta faculdade, dispondo que o controle dos atos de concentração deverá ser prévio.

Atualmente, de acordo com a Lei nº 8.884/94, as empresas podem celebrar o negócio, pagar o preço estipulado e transferir todos os ativos antes da aprovação do SBDC. Se o projeto de lei for aprovado, os atos não poderão mais ser consumados antes de apreciados, sob pena de nulidade e, ainda, do pagamento de multa não inferior a R$ 60 mil, podendo chegar a R$ 60 milhões.

Acredita-se que as razões que motivaram os redatores do projeto sejam louváveis, pois é provável que tenham sido fruto da preocupação com as dificuldades do desfazimento das operações não aprovadas ou aprovadas com restrições, o que gera conseqüências desastrosas.

Todavia, não se pode permitir que o projeto seja convertido em lei sem que antes haja uma discussão exaustiva acerca da viabilidade de se adotar o exame prévio dos atos de concentração no Brasil. Neste sentido, deve-se discutir se existem as condições mínimas necessárias para fazer com que o novo modelo seja eficiente, tais como a disponibilidade de recursos financeiros e de um corpo técnico experiente e capaz de analisar e julgar os processos com a celeridade que a estrutura da análise prévia pressupõe. O CADE precisaria de mais recursos e funcionários para ter condições de trabalhar novo modelo de forma eficiente.

Os defensores da notificação prévia argumentam que esta é utilizada, com grande sucesso, em outros países. Contudo, a realidade destes países é bastante diferente da brasileira. Nos Estados Unidos, a Federal Trade Commission, autoridade que analisa a maioria dos casos de fusão e aquisição, emprega atualmente 1.057 funcionários, sendo-lhe destinado um orçamento anual de mais de US$ 204 milhões para analisar cerca de 500 casos por ano (R$ 1 milhão por processo). Na França, ao Conseil de la Concurrence são destinados 9 milhões de euros para analisar apenas 100 casos por ano (R$ 315 mil por processo), e nele trabalham cerca de 200 funcionários. Já no Brasil, segundo o último relatório anual publicado na internet, o CADE possui apenas 163 funcionários, sendo seus recursos limitados a R$ 14 milhões para a análise de 570 casos (apenas R$ 24 mil por processo). Pode-se concluir que os recursos financeiros de que dispõem as autoridades brasileiras podem não ser suficientes para fazer frente à demanda (tanto em termos de número de processos quanto de prazo de análise) que surgirá da eventual imposição da regra de análise prévia.

Além disso, o quadro efetivo de pessoal do CADE é muito pequeno e caracterizado por alta rotatividade. Infelizmente, são raros os funcionários que permanecem em um determinado cargo por mais de três anos, o que prejudica a celeridade processual perante aquela entidade, dificuldade que se agravaria com a adoção do exame prévio.

Para que o controle a priori dos atos de concentração possa ser uma realidade, é necessário que os óbices acima discutidos sejam previamente tratados por meio de uma lei que defina um plano de carreira consistente e atraente para os funcionários do SBDC. A fim de que possamos ser comparados aos países desenvolvidos, devemos verificar se o sistema é de fato viável e, assim, possibilitar que as empresas acreditem no controle rápido de atos concentração. Para isso, é importante criar condições para que os funcionários dos órgãos brasileiros de defesa da concorrência desejem neles construir carreira, ao invés de simplesmente por eles passarem, com o objetivo exclusivo de adquirir conhecimentos que serão melhor remunerados na iniciativa privada.

O grande argumento de defesa do projeto é que, diminuindo-se sensivelmente os casos submetidos à análise do novo Tribunal da Concorrência, mediante a restrição dos tipos de atos de concentração sujeitos ao controle estatal (empresas com faturamento anual de R$ 150 milhões no Brasil, reduzindo o critério anterior de R$ 400 milhões de faturamento no mundo), será possível analisá-los em um curto espaço de tempo. Todavia, será que o novo tribunal terá condições de julgar antecipadamente, e com celeridade necessária, todos os casos que lhe serão submetidos, procedimento que abarca, entre outros, a difícil determinação e análise do mercado relevante, as notificações às empresas envolvidas para solicitação de informações adicionais e a simples tramitação processual? Haverá funcionários capazes de dar andamento aos processos, realizar todas as pesquisas que se fizerem necessárias, tudo em 30 dias? E, mais: se tal não ocorrer, quem vai arcar com os prejuízos sofridos pelas empresas em decorrência da demora?

Vale a pena decidir-se pela antecipação da safra, se não há máquinas para realizar a colheita? A implantação de um sistema de análise prévia é matéria estratégica e que, destarte, deve ser analisada com toda a cautela pelas autoridades, advogados e toda a sociedade, antes da votação do Projeto de Lei. A colheita, afinal, interessa a todos.

Jornal Valor Econômico – de 03/06/2005