Associações de classe lideram casos de concorrência desleal


Associações de classe lideram casos de concorrência desleal


Julio Wiziack

Na SDE, 54% dos processos abertos envolvem sindicatos patronais e associações

Sindicatos de agências de viagem, tradutores, avicultores e da indústria de chocolates são investigados por combinar preços

A SDE (Secretaria de Desenvolvimento Econômico) está fechando o cerco contra associações e sindicatos que supostamente ajudariam as empresas de seu setor a formarem cartéis ou adotarem condutas anticompetitivas. Motivo: dos atuais 294 processos em andamento, 158 envolvem entidades de classe (54%).

Na sexta-feira, a Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), do Rio de Janeiro, foi processada. A SDE acusa a associação de ter mandado ofício aos seus afiliados, em 2002, determinando a cobrança de R$ 50 por hora trabalhada na elaboração de cada pacote internacional e de R$ 30, no doméstico. Para a SDE, isso configura padronização de conduta comercial, uma prática ilegal.

Já a UBA (União Brasileira de Avicultores) foi processada, em maio, porque seu presidente, Ariel Mendes, teria recomendado às produtoras de frango afiliadas uma redução de 20% da produção, passando para 400 milhões de frangos por mês até março passado.

O objetivo seria evitar o excesso de oferta decorrente da queda das exportações, um reflexo da crise mundial. Com isso, a UBA e seus associados teriam forçado a alta do preço dos frangos no mercado interno.

Também processado em maio, o Sintra (Sindicato Nacional de Tradutores) divulgou em seu site uma tabela de preços de serviços de tradução que, pelo processo, servia para “os profissionais balizarem os seus preços pelo setor mais bem remunerado do mercado”. A SDE entendeu que nesse caso também houve uma tentativa de nivelar os preços por cima.

Em julho foi a vez da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim e Derivados) e da ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura).

A Abicab e seu presidente, Getulio Ursulino Netto, também respondem pela tentativa de elevação combinada de preços de ovos de Páscoa em 8%, neste ano, em relação a 2008.

O caso da ABTA é diferente. Em meados de 2008, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) suspendeu a cobrança do ponto extra pelas operadoras de TV paga. A ABTA entrou então com uma ação judicial contra a decisão.

Segundo a SDE, a associação publicou então um comunicado em seu site, orientando seus afiliados a não cumprirem as determinações da Anatel. As operadoras também teriam deixado de oferecer o ponto extra aos consumidores até que o caso fosse julgado pela Justiça.

A Folha conseguiu falar com quatro das cinco associações. Elas negam as práticas lesivas às concorrências e preparam sua defesa à SDE.

  • Antecedentes

Segundo o advogado Marcel Medon Santos, que já atuou na SDE, a grande quantidade de processos envolvendo as associações reflete, em parte, a herança histórica. Nos anos 80 e 90, era comum que os sindicatos participassem com o governo na definição de preços de produtos e serviços. “Com a abertura da economia e a desindexação dos preços, as associações perderam essa função”, diz Santos. “O problema é que muitas ainda se sentem à vontade com esse tipo de prática.”

Os resultados para os concorrentes e consumidores é desastroso. Um exemplo: em janeiro de 2008, a Associação das Autoescolas de Campinas, no interior de São Paulo, divulgou um levantamento afirmando que, devido aos custos, o pacote de aulas para que um candidato obtivesse sua carteira de habilitação deveria ser de, no mínimo, R$ 720.

Na ocasião, o preço médio era de R$ 417. Em março, a SDE exigiu a suspensão da lista. Os preços baixaram para R$ 450. Cálculos da secretaria revelaram que, só em um mês, o prejuízo aos consumidores nesse caso foi de R$ 1 bilhão.

“É por isso que estamos intensificando nossa atuação”, diz Ana Paula Martinez, diretora do DPDE (Departamento de Proteção e Defesa Econômica). Segundo ela, o cerco às associações também pode ser avaliado pela quantidade de mandados de busca e apreensão.

Entre 2003 e 2005, apenas 11 mandados de busca e apreensão foram cumpridos. Em 2008, já foram 93, número que já está em 177, em 2009, resultado da parceria da SDE com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal e estaduais.

“O combate a cartéis é nossa prioridade”, diz Martinez. “E o envolvimento das associações chama a atenção. Elas aparecem em mais da metade dos processos e em duas situações. Ou apenas emprestam sua sede para esses encontros, servindo de manto para ilegalidades, ou atuam diretamente na formação de cartéis.”

Cartel é um acordo entre concorrentes para, por exemplo, fixar preços, estabelecer condições de venda e níveis de produção. Em média, o sobrepreço aos produtos decorrente dessas práticas chega a 20% na comparação com o preço em um cenário de competição.

A principal preocupação da SDE em relação às entidades de classe é evitar que, ao colocar concorrentes associados em reunião, elas extrapolem suas funções de representá-los, permitindo e até estimulando a formação de cartéis.

Para evitar os processos, a secretaria publicou uma cartilha para orientar as associações. “Nosso mundo ideal não é a abertura de processos”, diz Martinez. “Queremos criar um marco ético.” Por isso, já foram distribuídas 4.500 cartilhas.

Uma nova edição está sendo preparada e será distribuída em outubro, com a cartilha sobre o programa de leniência. Por meio dele, a SDE “perdoa” e “protege” delatores que participaram de cartel para ganhar rapidez e eficiência nas investigações contra essa prática.

Encerrado o processo, ele é julgado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). As multas variam entre R$ 6 mil e R$ 6 milhões.

  • Frases

Com a abertura da economia e a desindexação, as associações perderam essa função de defender aumentos uniformes de preço. O problema é que muitas ainda se sentem à vontade com esse tipo de prática
Marcel Mendon Santos
advogado

“O combate a cartéis é nossa prioridade. E o envolvimento das entidades de classe chama a atenção. Elas aparecem em mais da metade dos processos em andamento”

“Nosso mundo ideal não é a abertura de processo (…). Queremos criar um marco ético”
Ana Paula Martinez
diretora do DPDE

  • Outro lado

Entidades processadas preparam defesa
As associações processadas pela SDE foram consultadas, mas apenas quatro responderam. A Folha tentou contato com a Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens, no Rio de Janeiro) por telefone e e-mail e não recebeu resposta até a conclusão desta edição.

ABTA, UBA e Abicab afirmaram estar prestes a enviar sua defesa à SDE. Segundo Elizabeth Thompson, presidente do Sintra, o sindicato dos tradutores, a defesa já foi enviada e a entidade aguarda o posicionamento da SDE.

A UBA, que representa os avicultores, informa por meio de sua assessoria de imprensa que está preparando sua defesa. Acusada de dividir dados de mercado com concorrentes, ela diz ter autorização do governo para realizar estudos usados pelo Ministério da Agricultura na elaboração de políticas de abastecimento.

A Abicab, que representa a indústria de chocolates, balas e derivados, diz estar analisando os documentos da SDE e que vai enviar sua defesa em 15 dias.

A ABTA, que representa as TVs pagas, considera que não tem poder de interferir em suas associadas. Para ela, sua função é simplesmente representá-las e tomar medidas em nome delas. Para a ABTA, não há conduta que infrinja a concorrência ou que desrespeite as determinações da Anatel, a agência que regula as telecomunicações no país. Sua defesa está sendo preparada. (JW)

Matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, caderno Dinheiro