Avanços no combate à pirataria e ao contrabando


Avanços no combate à pirataria e ao contrabando


Nos últimos dois meses, os paulistas foram agraciados com a edição de dois decretos direcionados à repressão à pirataria e ao contrabando de produtos. É o crime do século XXI, conforme definem alguns especialistas. A edição dos decretos em questão vai ao encontro das inúmeras iniciativas do governo federal que alcançaram inegáveis avanços no combate a tais delitos. Dentre elas, os trabalhos apresentados pela CPI que investigou os caminhos da pirataria e do contrabando, até a formação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNPC).

A edição dos decretos deixa evidente que as conseqüências relacionadas à pirataria e ao contrabando deixaram de ser um privilégio da iniciativa privada. Ao que parece, o poder público finalmente tomou consciência de que os efeitos de tais atividades são reconhecidamente maiores para ele do que os absorvidos pelo setor privado. Citamos, por exemplo, as estimativas que apontam perda de R$ 84 bilhões em arrecadação de impostos e a falta da criação de dois milhões de empregos ao ano devido à pirataria e ao contrabando. Por certo, a arrecadação de tal numerário poderia gerar a construção de escolas e hospitais, setores reconhecidamente deficitários.

O Decreto estadual nº 51.305 de São Paulo, de 24 de novembro de 2006, é o resultado das primeiras atividades do Comitê Intersecretarial de Combate à Pirataria criado pelo ex-governador Geraldo Alckmin. Segundo o decreto, o contribuinte terá a eficácia da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS cassada ou suspensa, de ofício, diante de 1) prática de atos ilícitos que tenha repercussão no âmbito tributário; 2) práticas sonegatórias que levem ao desequilíbrio concorrencial; 3) produção, aquisição, entrega, recebimento, exposição, comercialização, remessa, transporte, estocagem ou depósito de mercadoria falsificada ou adulterada, entre outros casos.

Ainda segundo o decreto, a cassação da eficácia da inscrição do contribuinte, na hipótese prevista no item 3, sujeitará os sócios, pessoas físicas ou jurídicas, em conjunto ou separadamente, pelo prazo de cinco anos, contados da data da cassação, às seguintes restrições: 1) impedimento de exercerem o mesmo ramo de atividade, mesmo que em outro estabelecimento; 2) impossibilidade de obter inscrição de nova empresa no mesmo ramo de atividade.

A apuração da falsificação ou adulteração do produto, para o procedimento administrativo de cassação, na hipótese prevista no item 3, será feita na forma prevista pela Portaria nº 95, de 24 de novembro de 2006, da Coordenadoria da Administração Tributária (CAT) estadual. Segundo a portaria, o procedimento será instruído com documento relativo à apreensão, por órgão policial ou fiscal de qualquer esfera governamental, da mercadoria falsificada ou adulterada e por laudo pericial. O laudo poderá ser elaborado pelo fabricante que teve sua mercadoria falsificada ou adulterada, por entidade associativa instituída, entre outros fins, para combater essas práticas, por órgão técnico especializado ou por órgão de polícia técnico-científica.

No âmbito da cidade de São Paulo, o cerco à pirataria e ao contrabando de produtos não ficou atrás. O Decreto municipal nº 47.801, de 23 de outubro de 2006, que regulamentou as disposições da Lei municipal nº 14.167, de 6 de junho, impôs a cassação do auto de licença de funcionamento de lojistas e da permissão de uso de ambulantes que comercializam produtos irregulares. Segundo o decreto, serão cassados o auto de licença de funcionamento e o termo de permissão de uso do estabelecimento ou ambulante que comercializar, adquirir, estocar ou expuser produtos de qualquer natureza que sejam falsificados, pirateados, contrabandeados ou fruto de descaminho. Pelo decreto, consideram-se produtos falsificados, pirateados ou contrabandeados ou fruto de descaminho aqueles declarados em inquérito policial pelas polícias civil ou federal.

A competência para a fiscalização das disposições constantes no decreto caberá à supervisão de fiscalização da coordenadoria de planejamento e desenvolvimento urbano da subprefeitura em cujo território estiver situado o estabelecimento ou no qual tiver sido emitido o termo de permissão de uso para o comércio ambulante. Um dos pontos relevantes do decreto é o de que a suspeita de existência de produtos falsificados, pirateados, contrabandeados ou fruto de descaminho poderá ser comunicada por qualquer cidadão à subprefeitura competente ou à central de atendimento da secretaria de gestão.

Após a instauração de processo administrativo, o infrator será intimado para, no prazo de 15 dias, oferecer defesa e indicar as provas que pretende produzir. Concluída a instrução, o supervisor de uso do solo e licenciamentos da subprefeitura competente proferirá decisão motivada. Caberá recurso para o subprefeito contra o despacho que determinar a cassação da licença de funcionamento ou do termo de permissão de uso, cuja decisão encerrará a instância administrativa. Após a decisão final, a subprefeitura competente procederá à ação fiscalizatória visando ao encerramento da atividade.

Os decretos representam um avanço na repressão à pirataria e ao contrabando, não só por constituírem ferramentas de desestímulo de tais práticas, mas, sobretudo, porque demonstra que o tema está sendo enfrentado de frente pelo poder público. Cabe agora ao poder público, junto com o Ministério Público e a Receita Federal, promoverem as diligências cabíveis para dar efetividade aos decretos, sob pena de se tornarem letras mortas. Vamos torcer para que o jargão “a lei não pegou” não seja aplicado para o tema em questão.

Paulo Ciari é advogado especialista em propriedade intelectual do escritório Azevedo Sette Advogados e membro da Força Tarefa de Combate à Pirataria da Câmara Americana de Comércio (Amcham)

Artigo publicado no jornal Valor Econômico, 25 de janeiro de 2007