Classificação de risco de processos traz impacto aos dividendos


Classificação de risco de processos traz impacto aos dividendos


Andréa Háfez

Advogados avaliam as probabilidades de êxito de companhias em disputas judiciais para determinar a provisão, a reserva de valores equivalentes a essas perdas potenciais, nos balanços. Uma das conseqüências desse procedimento é a possível redução de resultados, o que pode chamar atenção de acionistas e levar a questionamentos sobre as informações

Um número elevado de processos judiciais não é exclusividade de algumas empresas brasileiras. A presença dessas disputas em seus balanços também não significa uma má administração ou sinal de que tenham um perfil litigante. Dentro do contexto nacional, em que há um extenso volume de edição de novas normas, principalmente na área tributária, sem muitas vezes atentarem para as formalidades necessárias, há uma verdadeira necessidade de se buscar soluções no Judiciário.

No entanto, o provisionamento ou não de recursos para futuramente cobrir perdas em potencial, decorrentes desses processos, pode causar estranhamento entre acionistas e exigir de administradores, advogados e auditores uma atenção maior.

A rotina que tem sido adotada é pedir às bancas de advocacia, que atuam nos processos, uma avaliação para saber se o risco de ganho na disputa em análise é: provável, possível ou remoto. A partir dessa classificação encaminhada às companhias, os administradores, junto à auditoria, definirão o que será ou não disposto nos balanços e se haverá um efetivo provisionamento _ o estabelecimento de uma reserva de valores dos resultados da empresa, para uma futura cobertura dessa perda. O que significa menos recursos a serem distribuídos a título de dividendos para os acionistas.

O cuidado com esse tipo de avaliação avançou nos últimos anos, segundo advogados entrevistados pelo Espaço Jurídico Bovespa, não só pelo crescimento do número de empresas com capital aberto e que, por conseqüência, necessitam dar mais informações aos seus acionistas, mas em razão do amadurecimento do mercado, depois da ocorrência de escândalos corporativos, e da própria regulamentação da matéria. Tanto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) vêm trabalhando no sentido de ampliar a adoção de normas alinhadas aos padrões internacionais. Daí uma tentativa de também esclarecer ou dar uma melhor orientação sobre os critérios para serem aplicados na classificação de risco e quando resultará em provisionamento ou não.

Mesmo assim, o procedimento ainda é visto em boa parte como resultado de escolhas subjetivas. Mais que isso, em determinadas circunstâncias, as empresas têm que avaliar se o mais indicado é mencionar o processo em discussão e provisionar, reconhecendo as suas chances de perda. A transparência, em alguns casos, pode dar a sinalização indevida para a parte que está no outro lado da disputa judicial e levar à concretização efetiva da perda.

Segundo o advogado tributarista André Mendes Moreira , sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, a classificação de risco de perda em processos judiciais de acordo com a disposição da Deliberação CVM nº 489, prevê que se o grau for alto, deve ser considerada provável a perda e realizar o seu provisionamento; se for médio o grau, o risco será possível, mas pode ser feita apenas uma nota explicativa; e se houver mais chances de ganho, o risco será remoto, sem a necessidade de menção no balanço.

Para chegar à conclusão sobre o grau do risco, Mendes Moreira afirma que na área tributária, normalmente, são avaliados dois padrões preponderantes: a existência de jurisprudência de tribunais superiores e a análise do caso concreto. “Se há uma jurisprudência formada contra a tese, o risco de perda é provável e a empresa deve provisionar os valores”, diz. Mas além disso, é preciso considerar os fatos ocorridos em cada processo, pois pode haver uma questão processual, como a falta de cumprimento de algum prazo, que torne a chance de perda remota e deixe de ser necessária a provisão.

Em conflitos que não envolvam teses gerais, como as de perfil tributário que se repetem com várias empresas, os critérios para formular a avaliação ficam mais restritos. É capaz até de existir alguma jurisprudência sobre matéria parecida, mas as especificidades do processo podem superar o perfil padrão e exigir uma avaliação de caráter particular. O Conselho Federal de Contabilidade (CFC), de acordo com o advogado, Frederico Bopp Dieterich, do escritório Azevedo Sette Advogados também busca detalhar ao máximo o que e como devem ser feitas divulgações em balanços e demonstrações financeiras. Mas não há uma regra de precisão matemática, pois envolve um juízo de valor.

A recomendação do CFC é que esse exercício de juízo de valor aconteça na medida da experiência dos profissionais e na maior quantidade possível de critérios objetivos. “Mas a subjetividade é inafastável. Muitas vezes há pontos dependentes de eventos futuros, incertos e os valores podem ser inquantificáveis”, afirma.

De acordo com o advogado tributarista André Mendes Moreira, sócio do escritório Sacha Calmon, há um outro balizamento dado pela Deliberação Nº 489/05 da CVM, para o procedimento de provisionamento. “Há a disposição de que nos processos em houver discussão sobre a inconstitucionalidade ou validade de uma lei, ainda que a avaliação seja positiva para a tese da empresa, a provisão deverá ser constituída”, afirma. Mas já houve uma flexibilização. “A empresa pode deixar de constituir a provisão desde que comprove para a auditoria que há jurisprudência firmada em tribunais superiores a seu favor”. O entendimento foi dado pelo Ibracon (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil). “Afinal, não fazia sentido ficar com recursos bloqueados quando o próprio Supremo Tribunal Federal já havia julgado em outros casos sobre a mesma tese que a legislação era inconstitucional.”

A falta de provisionamento, porém, pode não ser a melhor decisão da administração. O advogado Joaquim Muniz, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, concorda que existe o interesse da empresa de sempre ter o mínimo de provisão possível, para não ter que responder a questões dos acionistas, em razão da redução dos valores de dividendos. Assim, muitas vezes, ao invés de optar por estipular uma provisão, com o reconhecimento de uma classificação de perda provável, a administração insere uma nota explicativa no balanço, com a avaliação de que a chance de ser bem sucedida na disputa judicial é de 50%.

No entanto, a administração também deve considerar que a provisão é mais um conforto do que uma preocupação. “É dever da própria administração assumir as perdas. Mesmo porque não se trata de má administração, mas de riscos que existem. O maior problema é não reconhecer a pouca chance de êxito, não provisionar e, então, quando ocorrer a perda efetiva ter que se explicar”, afirma Frederico Dieterich.

A provisão pode ser uma proteção ao administrador, mas também não basta se não for mensurada devidamente. “A administração reconhece a maior possibilidade de perder em um processo mas provisiona apenas parte do valor que deveria. Quando for necessário arcar com o custo efetivo da perda, terá que dar novas explicações aos acionistas”, diz o advogado.

Acionista deve fiscalizar provisões mas não inviabilizar administração

Os acionistas ao verificarem o contingenciamento de recursos, em função de disputas judiciais ainda não encerradas, também devem tentar compreendê-lo. O recomendável é que tentem obter informação sobre os casos e checar o perfil desses processos. A sugestão é do advogado Joaquim de Paiva Muniz, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados. Se não for possível obter um detalhamento, talvez, o mais recomendável seja buscar informações junto ao Diretor de Relações com Investidores.
O receio de que a administração e os controladores da empresa busquem uma redução de risco para evitar provisionamento existe e pode ter fundamento. “O disclosure das informações é importante em razão dessa questão, porém, deve haver um equilíbrio entre a transparência e o risco de causar danos”, diz Joaquim Muniz.

“A empresa pode não oferecer um detalhamento sobre o processo para não abrir alguma estratégia ou para que a parte contrária na disputa judicial não saiba a sua classificação de risco”, afirma Frederico Bopp Dieterich, advogado do escritório Azevedo Sette Advogados. O próprio Conselho Federal de Contabilidade orienta que, se for causar prejuízo à companhia, não é necessário mencionar detalhes sobre o processo judicial.

Seria preciso dar o máximo de visibilidade às informações, mas, segundo Muniz, talvez fosse necessário uma maior regulamentação por parte da CVM sobre o procedimento. Ele destaca também a importância do conselheiro independente nesse momento. “O conselheiro pode ter acesso às informações, verificá-las e levá-las para assembléia, onde os acionistas também possam avaliar ou questionar”. No entanto, é preciso bom senso para também não inviabilizar a administração ou por em risco informações estratégicas da empresa. (A.H.)

Reportagem publicada no Espaço Jurídico Bovespa, 26 de fevereiro de 2008