Visitar outros empreendimentos da construtora para verificar prazo de entrega é uma das recomendações
Apesar de os analistas jurídicos e financeiros verem como remota a possibilidade de um agravamento da crise financeira mundial atingir de maneira mais forte as empresas do setor imobiliário, a ponto de impossibilitá-las de entregar os empreendimentos lançados (veja mais na página 3), o momento atual exige que o consumidor que pretende comprar um imóvel aja com um pouco mais de cautela.
É preciso estar atento, entre outros fatores, à solidez da empresa vendedora. É o que recomenda o diretor da Associação dos Mutuários e Moradores das regiões Sul e Sudeste do Brasil (AMM), Thiago Antolini. “Se em momentos de situação favorável a cautela é necessária, agora então, com essa instabilidade, ela é indispensável”, diz ele.
Ir até outros empreendimentos em andamento e levantar o histórico de entregas da empresa é apenas uma das recomendações, segundo o diretor. “É preciso ir além e procurar órgãos como o Procon, para verificar se existem reclamações contra alguma das empresas envolvidas no empreendimento e quais os tipos de reclamação”. De acordo com Antolini, esse cuidado pode dar ao comprador pistas importantes sobre o comportamento daquela empresa em relação aos clientes.
“Verificar à situação financeira da empresa é outro cuidado importante”, afirma o analista de investimento da Gradual Investimentos, Eduardo Cortez. Segundo ele, um nível alto de endividamento somado à falta de crédito pode deixar a empresa numa situação delicada,
o que pode causar atrasos na obra. Por isso, um prédio erguido com recursos da própria empresa pode representar um sinal de alerta. “Geralmente, as construtoras erguem seus empreendimentos com dinheiro obtido em financiamentos bancários. Isso deixa a empresa numa situação mais confortável para concluir a obra”, explica Cortez. Caso não haja esse financiamento, “ou a empresa está com muito dinheiro em caixa ou o contrário: está com a saúde financeira debilitada e o banco não lhe concedeu crédito”.
Antolini vai além no que diz respeito a situação financeira das empresas responsáveis pela obra: “É preciso também verificar de onde vem o dinheiro, ou seja, se os bancos que fornecem crédito vão cumprir com suas obrigações e continuar emprestando”.
Questões contratuais também devem ser observadas com atenção, principalmente, quanto aos itens que fazem menção ao prazo de entrega do imóvel e garantias para devolução do dinheiro que já foi pago pelo consumidor caso haja descumprimento do contrato.
“O comprador não deve aceitar um prazo de atraso para a entrega da obra superior a seis meses e deve incluir uma cláusula que permita a suspensão dos pagamentos caso a empresa descumpra o acordo”, recomenda Antolini.
- CHECK LIST
Para evitar surpresas indesejáveis, o empresário Rafael Sales está seguindo à risca as orientações dos especialistas.
Em busca de um apartamento mais amplo do que aquele em que mora hoje, Sales tem visitado estandes de venda de empreendimentos ainda na planta e em construção. Ele diz que fez um check list de informações a serem levantadas a respeito dos imóveis que despertam seu interesse. “Além de levar em conta as condições do imóvel, procuro saber da situação atual da construtora, quais empreendimentos ela já entregou e como ela se comporta em relação a prazos.”
Sales frisa que, num momento de instabilidade, munir-se de informações é fundamental para tomar uma decisão mais segura.
Procurar orientação profissional é outro cuidado que o empresário julga indispensável: “Quando me decidir sobre que imóvel comprar vou procurar auxílio jurídico para obter orientações relacionadas a cláusulas contratuais.”
Ainda que munido de toda essa informação, Sales admite que está indeciso quanto ao momento da compra, principalmente porque vai adquirir o imóvel na planta e financiar parte do valor. Ele revela que pode adiar a iniciativa para o início do ano, com a esperança de que na ocasião a situação esteja mais tranqüila.
- CUIDADOS
• Reclamações – Verificar quais são as empresas envolvidas no empreendimento e procurar levantar se têm reclamação em órgãos como o Procon. Isso ajuda a identificar como a empresa se comporta em relação aos clientes.
• Histórico – Visitar outros empreendimentos em andamento e já entregues para conferir se a empresa cumpre os prazos de entrega.
• Situação – Solicitar certidões e documentos que demonstrem a idoneidade comercial e jurídica da construtora em questão.
• Contas – Procurar saber qual o nível de endividamento da empresa; uma construtora altamente endividada pode ter problemas para entregar a obra.
• Financiamento – Construtoras cujas obras são financiadas por bancos oferecem mais segurança em relação à entrega; obras feitas com recursos da própria empresa podem significar alto endividamento e conseqüente falta de crédito.
• Contrato – Não deve conter cláusulas que considerem mais de seis meses de atraso na entrega. Além disso, precisa garantir o direito de rescisão e devolução do dinheiro pago pelo comprador em caso de descumprimento de prazo.
- Há menor risco de não entrega da obra
Especialistas acreditam que o pior efeito da crise é mesmo a diminuição da quantidade de lançamentos
Leandro Costa
ESPECIAL PARA O ESTADO
A redução do número de lançamentos imobiliários e o atraso na entrega das obras são as piores conseqüências que um possível agravamento da crise financeira mundial pode trazer para o consumidor, segundo especialistas.
As recentes intervenções do governo para aumentar a oferta de crédito para as empresas do setor imobiliário, além de outras ferramentas de mercado das quais essas empresas podem se valer para obter recursos, afastam a possibilidade de incorporadoras e construtoras que sofrerem mais com a crise deixarem de entregar os empreendimentos que lançarem. “As chances de isso acontecer são muito remotas, principalmente porque hoje a maioria das obras é segurada, o que garante a entrega”, diz o sócio da Azevedo Sette Advogados, Rodrigo Badaró de Castro.
Ele frisa que desde o caso da construtora Encol, que foi à falência no fim da década de 90, deixando muitos sem receber seus imóveis, mudanças jurídicas aconteceram, o que não permitiria que algo parecido pudesse ocorresse de novo. Hoje, por exemplo, os recursos de um empreendimento não podem ser utilizados em outro, cita.
“Além disso, o governo tem se mostrado disposto a intervir para evitar esse tipo de situação, que, caso volte a acontecer, resultaria em grande crise de confiança no mercado imobiliário”, diz Castro. “ O que já está acontecendo é a diminuição da atividade, com a redução de lançamentos. Mas isso não sugere que essas empresas não vão entregar aquilo que lançarem”, observa o analista de investimentos da Gradual Investimentos, Eduardo Cortez.
- SECURITIZAÇAO
Existe no mercado à disposição das construtoras um sistema que pode ajudá-las a cumprir a entrega de obras, sem prejuízo ao comprador. Trata-se da securitização, uma operação em que a incorporadora vende seus recebíveis (no caso os valores que serão pagos pelos mutuários pelos apartamentos).
“É um caminho seguro para obter recursos”, diz o professor de Finanças da FEA-USP, Roy Martelanc.
Esse tipo de operação na área imobiliária brasileira ainda não é muito utilizado, segundo o sócio-diretor da Nova Financial Securitizadora, Eduardo Barros. “Aqui, do total dessas operações, apenas 9% é feita pelo setor.” Esse índice, diz ele, é muito baixo considerando o tamanho da demanda de crédito da área. Mas ele crê que a adoção vá aumentar e muito: “Nos países emergentes esse tipo de operação cresce em média 20% ao ano
Reportagem publicada no caderno de Imóveis do jornal O Estado de S. Paulo, 9 de novembro de 2008