Cuidados com a euforia do mercado imobiliário


Cuidados com a euforia do mercado imobiliário


Como acontecido em outras épocas, nos dias atuais o mercado imobiliário padece da mesma tensão e ansiedade experimentada há alguns anos nos EUA e Espanha, quando a maior onda de investimentos e negócios realizados nos últimos tempos no setor vem à tona no Brasil. A justificativa desse fenômeno se dá por vários motivos, entre eles a abundância de crédito no mercado, cenário econômico mundial favorável, estabilidade da nossa moeda, políticas governamentais de incentivo e segurança aos investidores, a que se soma ainda a demanda reprimida de moradia digna no Brasil.

Nesta senda, deparamos com a cobiça por projetos de IPO impulsionada por recentes sucessos empresariais na abertura de capital no setor. A carência de terrenos disponíveis nos grandes centros e a pressão e expectativa dos investidores estão levando médias e grandes empresas a uma disputa acirrada por espaço e aumento na prospecção do valor geral de venda (VGV), que nada mais é do que o faturamento geral, possivelmente alcançado com o lançamento, venda e entrega de um empreendimento imobiliário.

Notamos a luta se intensificando por sobrevivência no mercado, cada vez mais concentrado, pois devido à escassez de áreas para construção, grandes empresas são estimuladas a adquirir grupos regionais menores e principalmente compelidas a fomentar parcerias específicas nas incorporações. Na outra ponta, pequenas e médias empresas tentam se manter no mercado, muitas vezes sem abundância de recursos próprios, valorizando-se com a consolidação de seu nome na região, busca de permutas em terrenos ainda disponíveis, investimentos e pesquisas em localidades afastadas dos grandes centros e retenção estratégica de áreas que estejam em seu estoque. O intuito é basicamente criar condições favoráveis de negociação com as grandes empresas ou mesmo tentar eventualmente promover a abertura de seu capital.

Com efeito, à margem de todo esse cenário, obviamente descrito de forma genérica e sintética, existem alguns pontos jurídicos importantes que devem ser ressaltados no que diz respeito à figura do proprietário do imóvel a ser incorporado e dos clientes e investidores, considerando a Lei de Incorporações e responsabilidade pela construção. A pressão por terrenos, principalmente pela formatação de compras ou promessas por meio de dação em pagamento ou permuta, cria por conta da previsão legal, contida principalmente no artigo 29 parágrafo único e 30 da Lei 4561/64 e entendimento dos tribunais, o risco do vendedor-proprietário do imóvel, pessoa jurídica ou não, de se tornar responsável também pela incorporação do imóvel e conseqüentemente sua entrega a terceiros. Com efeito, em detrimento do alto índice de parcerias hoje em andamento, envolvendo construtoras, incorporadoras, proprietário de terrenos e investidores em geral, sendo alguns até mesmo pessoas físicas, estão sendo criadas empresas de propósito especifico (SPE) em substituição à inócua e atrofiada Lei de Afetação (10.931/04). É importante aqui exemplificar que a maioria das empresas não consegue efetivar o Patrimônio de Afetação previsto na Lei acima citada ou perdem muito tempo, diante da burocracia e falta de prática e conhecimento dos interessados, inclusive de financiadores. Nesse aspecto, lembra-se que a SPE nada mais é que uma sociedade empresarial, constituída nas modalidades existentes no ordenamento jurídico, principalmente as LTDAs e S/As.

Em continuidade, é importante quando da constituição da referida sociedade se ater à necessidade de identificar bem seu objeto específico e sua duração, bem como, principalmente, o papel de cada sócio/quotista diante do desempenho e ônus empresarial de cada um nesse tipo de empenho comum. Para isso, é extremamente importante regular de forma clara e específica todos os pormenores da sociedade por meio da elaboração de um acordo de acionista ou quotista. Com isto, espera-se que os parceiros tenham segurança e tranqüilidade para reger a sociedade. Não obstante, verifica-se ainda a necessidade de se tomar cuidados quanto à elaboração de contratos para construção do empreendimento, uma vez que o Código Civil prevê forma de contratos que identificam bem esse liame. E mais, evocando a triste experiência vivida no passado quanto a falências no setor de incorporação, é importante os consumidores se aterem à credibilidade e ao histórico de obras das empresas que hoje se lançam no mercado. O alto volume de crédito, o processo gradativo de desburocratização para empreender e incorporar e construir são elementos estimulantes a aventuras empresariais, que muitas vezes levam a um instante de sucesso econômico com grandes riscos internos e que podem a qualquer momento estourar.

Rodrigo Badaró de Castro é advogado atuante no setor imobiliário

Artigo publicado no Jornal de Brasília, 08 de agosto de 2007