Demonstrações polêmicas


Demonstrações polêmicas


Matéria publicada no Jornal Estado de Minas – Editoria Opinião, 25/08/10

A Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg) editou ato administrativo exigindo que as sociedades limitadas de grande porte realizem a publicação de seus balanços

Lucas Martins Magalhães da Rocha – Advogado do escritório Azevedo Sette Advogados em Belo Horizonte

A questão envolvendo a publicação das demonstrações financeiras das sociedades de grande porte, que não adotam a forma de sociedade por ações, permanece controversa. O art. 3º da Lei 11.638/07 não é claro sobre o assunto e a Justiça ainda não decidiu definitivamente a questão. É considerada de grande porte a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que têm ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões. Em 2008, para posicionar o mercado sobre esse tema, o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) emitiu o Ofício-circular 099/08, no qual é exposto, no item 7, que, em razão da omissão da lei, as sociedades de grande porte poderiam optar por publicar ou não suas demonstrações financeiras na imprensa oficial. Também em 2008, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou um comunicado ao mercado no qual também é mencionado que a lei faculta (não obriga) a publicação das demonstrações financeiras, apesar das sociedades de grande porte, geralmente “limitadas”, não se encontrarem na órbita de fiscalização da CVM.

Posteriormente, o ofício foi objeto de ação judicial movida pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais (Abio) contra o DNRC, pedindo a nulidade do item 7 do ofício, por considerar esse item ilegal. Em dezembro de 2008, foi concedida liminar para a Abio e, em março deste ano, a Justiça Federal julgou a ação favoravelmente à entidade, declarando a ilegalidade do item 7. Em junho, o DNRC recorreu da decisão, mas o recurso apresentado não suspendeu os efeitos da declaração de nulidade do item 7 e ainda não há manifestação da segunda instância. A sentença também obrigou o DNRC a emitir comunicado para todas as juntas comerciais do Brasil determinando a obrigatoriedade de essas entidades exigirem das sociedades de grande porte a publicação de suas demonstrações financeiras. O status atual da questão, portanto, do ponto de vista dos órgãos públicos, é o seguinte: a Justiça não se manifestou definitivamente sobre a legalidade ou não do ofício; o DNRC foi obrigado a determinar que as juntas comerciais exijam a publicação dos balanços; e as juntas comerciais, depois de receber a determinação do DNRC, devem providenciar o seu cumprimento, pois a lei prevê sua subordinação técnica a esse órgão. Em Minas Gerais, a Junta Comercial (Jucemg), depois de receber a determinação do DNRC, editou um ato administrativo exigindo que as sociedades limitadas de grande porte realizem a publicação de seus balanços.

Em vista dessas questões, entende-se que existem duas possibilidades a serem consideradas pelas sociedades de grande porte. Uma é a realização voluntária das publicações para o cumprimento de eventuais exigências das juntas comerciais, inclusive em virtude de política de governança corporativa que defende a transparência para investidor e terceiros, ou o ajuizamento de medida judicial para a obtenção de ordem do Poder Judiciário que determine que a respectiva Junta Comercial se abstenha de exigir a publicação dos balanços da sociedade até que a Justiça decida definitivamente sobre a legalidade ou não do item 7 do ofício do DNRC. Para os estados em que as juntas comerciais ainda não se posicionaram sobre o tema, fica a questão: as sociedades de grande porte com sede nesses estados devem ou não publicar suas demonstrações financeiras? Existem argumentos para defender os dois lados, tanto o da obrigatoriedade, quanto o contrário.

O que é certo, entretanto, é que esse clima de indefinição causa enorme insegurança jurídica e não beneficia ninguém. Veja bem: se um edital de licitação publicado por um órgão de um estado cuja situação se enquadre na do parágrafo anterior determinar que, para se habilitar no processo, o licitante deve apresentar prova de cumprimento do previsto no art. 3º da Lei 11.638/07, qual documentação deve ser apresentada neste caso? Apenas as demonstrações financeiras auditadas por auditor independente ou as demonstrações auditadas e publicadas na imprensa oficial? Enfim, o status atual da questão envolvendo a publicação de demonstrações financeiras pelas sociedades de grande porte permanece pendente de solução firme e incontestável, até que a Justiça decida a questão de forma definitiva ou que a lei seja alterada para determinar expressamente a necessidade de publicação desses balanços. Até lá, cada sociedade deverá avaliar suas opções, os riscos envolvidos e tomar sua decisão.