Empresas já perderam US$ 30 bi com derivativos


Empresas já perderam US$ 30 bi com derivativos


Patrícia Cançado e David Friedlander

Desde que Aracruz, Votorantim e Sadia vieram a público revelar prejuízos gigantescos em operações com derivativos de câmbio, em setembro passado, o mercado tenta descobrir quem mais passou por esse problema e qual o impacto na economia do País. A perda conjunta de R$ 5 bilhões desses três ícones da indústria seria o alerta para mais um poço sem fundo ou apenas casos isolados? Um balanço preparado pelo Banco Central, de acesso restrito à diretoria da instituição, revela pela primeira vez o tamanho do estrago: as empresas brasileiras perderam cerca de US$ 30 bilhões (ou R$ 71,5 bilhões, pela cotação da última sexta-feira, dia 6).

O levantamento não foi feito para divulgação. O BC fez a conta para checar se havia o risco de o mercado financeiro enfrentar algo como as hipotecas de alto risco (subprime), que arrebentaram a economia dos Estados Unidos. A conclusão foi que os bancos brasileiros estão a salvo. Já as empresas que tomaram os empréstimos embrulhados em derivativos estão endividadas, muitas delas procurando caminhos para não quebrar. “Os grandes casos já apareceram. Agora virão à tona histórias menores, mas talvez a implicação seja maior”, diz o sócio da divisão de auditoria da KPMG, Ricardo Anhesini.

Há muitas empresas enroladas com derivativos no setor de açúcar e álcool, entre os frigoríficos, os esmagadores de soja, os fabricantes de calçados e na indústria têxtil. Nesses setores, fortemente exportadores, os derivativos cambiais são usados há muito tempo para proteção contra as oscilações bruscas do dólar, mecanismo conhecido como hedge.

No ano passado, no entanto, o produto virou uma febre e foi oferecido indiscriminadamente no mercado. Os derivativos foram apresentados como um componente para diminuir os juros pagos nos empréstimos bancários. Enquanto a cotação do dólar ficasse baixa, a empresa pagaria juros inferiores aos de mercado. Caso o dólar subisse, o débito aumentaria. Como esse cenário parecia improvável, para muitos a proposta tornou-se irrecusável.

O encanto acabou com a crise financeira global, em setembro. O dólar disparou, levou junto as dívidas e comprometeu a saúde financeira de centenas de empresas. “Algumas não tinham nem a dimensão do grau de exposição à dívida. Achavam que era um negócio da China”, afirma Dinir Rocha, do escritório Azevedo Sette Advogados.

Izete Costa, gerente financeira da pequena Contract, empresa da Grande São Paulo que vende pisos, forros e divisórias para construção e fatura R$ 700 mil por mês, afirma ter ouvido falar de derivativos pela primeira vez em agosto – um mês antes do aprofundamento da crise. Segundo ela, o gerente da conta da empresa no Itaú ofereceu baixar a taxa de um empréstimo de capital de giro de R$ 600 mil desde que ela levasse junto os tais derivativos. Izete gostou da ideia. Dois meses depois, o gerente ligou de volta e deu a notícia: a dívida havia dobrado. “Quando ele me explicou, fiquei uma semana sem trabalhar. Essa operação pode quebrar a empresa”, diz Izete, que alega não ter entendido o produto. Desde dezembro, a Contract discute a dívida na Justiça.

Poucas empresas se animaram a discutir os derivativos na Justiça De acordo com o levantamento de um grande escritório de advocacia de São Paulo, na semana passada não havia mais do que uma dúzia de processos relevantes nos principais tribunais do País. Quem perdeu com os derivativos geralmente alega não ter entendido o risco que corria, que os contratos foram assinados por funcionários sem poder para tal ou questionam a falta de limites para perdas – os contratos terminam automaticamente quando os ganhos da empresa chegam a determinado ponto, mas não há teto para o prejuízo.

Há cerca de um mês, a multinacional Doux Frangosul, quarta maior produtora de frangos do Brasil, recorreu à Justiça para não pagar uma dívida com derivativos de R$ 50 milhões com o UBS Pactual e a Merrill Lynch. Na semana passada, a Justiça decidiu que o débito com a Merrill Lynch deveria ser discutido numa câmara de arbitragem, como previa o contrato. A ação contra o UBS – superior a R$ 20 milhões – continua correndo. A Frangosul não quis se pronunciar.

Como os tribunais têm entendido que contratos devem ser cumpridos, a maioria das empresas preferiu tentar um acordo com o credor a recorrer à Justiça. Em geral, acerta-se a troca da operação de derivativos por um empréstimo com prazo mais longo. “A gente vê a situação da empresa e adapta a dívida nela”, diz o vice-presidente de um dos maiores bancos privados do País. “Estamos dando empréstimos de um, dois, três anos, com juros de mercado.”

Em boa parte dos casos, o prejuízo das empresas não é igual ao lucro dos bancos. As instituições financeiras intermediavam as operações e ganhavam a corretagem. O grande ganhador desse balcão foi o Banco Central, que muitas vezes estava na outra ponta, apostando na valorização do dólar. O BC não fazia isso para especular, mas para dar liquidez às transações do mercado financeiro. Quando o dólar disparou, ele deu sorte. Parte do lucro de R$ 180 bilhões do BC em 2008 veio das operações com derivativos cambiais. (AE)

Matéria publicada no jornal Repórter Diário, da cidade de Santo André, no caderno Economia, em 08/03/09