Entre o céu e o inferno


Entre o céu e o inferno


Mesmo com uma “democratização” em andamento, o pequeno investidor ainda tropeça na tributação e no tratamento dado pelas companhias.

Mercado de capitais, investimento em ações e Bolsa de Valores são temas que parecem só ocupar a conversa de grandes empresários e milionários que arriscam um pouco das suas fortunas em aplicações. Mas a verdade, é que esse tabu caiu e investidores nem tão endinheirados já conquistam espaço dentro do time. Primeiro é preciso saber que são considerados pequenos investidores aqueles que aplicam até R$ 300 mil. Mas será que isso significa democratização do mercado de capitais?

Pode ser. Desde 2002 a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) realiza um trabalho de desmistificação do mercado acionário por meio do programa “Bovespa Vai Até Você” e que ganhou ramificações como: Bovespa vai à Praia, Bovespa Vai à Universidade, Bovespa ao Metrô, e outras.

Por todos os lugares, representantes da Bovespa explicam o funcionamento do mercado; o papel de uma bolsa de valores e das corretoras. E o mais importante: como as pessoas podem participar do mercado e tornarem-se sócias das principais empresas brasileiras.

No início do mês de março, a Bovespa divulgou números da terceira edição do Bovespa Vai à Praia, referente ao verão 2005. Vinte mil pessoas foram atendidas entre os meses de janeiro e fevereiro, sendo 5.714 no litoral paulista (Praia Grande, Riviera de São Lourenço, Guarujá e Santos), 7.541 no Paraná e no Rio Grande do Sul (Guaratuba, Capão da Canoa, Torres e Tramandaí) e 6.483 nas praias catarinenses (Camboriú e Canasvieiras). Em suas três edições o Bovespa Vai à Praia já atendeu 62 mil pessoas.

O programa Bovespa Vai Até Você resultou na criação de um outro nicho de mercado para corretoras: os Clubes de Investimento. Nos últimos dois anos, como resultado do trabalho das corretoras de valores e da Bolsa para popularizar o mercado de ações, o número de clubes de investimento mais que triplicou. Segundo informações fornecidas pela Bovespa, em dezembro de 2004, o número de clubes de investimento registrados ultrapassou a marca de mil. Esses clubes reúnem cerca de 108 mil cotistas, ou seja, 30% de participação de pessoas físicas no mercado de ações. Somam 575 clubes de investimento formados desde o lançamento do “Bovespa vai até você”, o que totaliza 1.005 clubes, 107.306 cotistas e que reúne patrimônio de R$ 5,46 bilhões.

Théo Rodrigues, diretor-geral do INI (Instituto Nacional dos Investidores), diz que é inegável que os esforços de popularização da Bovespa estão surtindo efeito. “O crescimento da participação das pessoas físicas no volume negociado nos pregões – quase 30% – é prova disso. A quantidade de pessoas que procuram o INI, as corretoras e a Bolsa é crescente. Alguns mitos – como a necessidade de ter muito dinheiro para investir no mercado acionário – estão perdendo força. É um trabalho de longo prazo e o INI tem o objetivo de contribuir com a Bovespa e com as outras instituições que buscam o desenvolvimento do mercado de ações”, avisa Rodrigues.

Benefício para quem investe até R$ 20 mil
Mesmo com tantos avanços, o mercado ainda não está totalmente preparado para receber esse pequeno investidor. Ainda é preciso enfrentar algumas barreiras como a tributação, por exemplo. O investidor Carlos Eduardo Escaliante Cardoso gosta de aplicar o seu dinheiro em fundos de investimento, em ações (principalmente de empresas de telecomunicações e as do Novo Mercado – Ofertas Públicas) e em opções de ações (telefonia e petróleo, principalmente). Ele diz que é preciso tomar alguma atitude a respeito da tributação. “Ela é cobrada sobre o rendimento da aplicação e não é ressarcida caso o investidor tenha prejuízo. Por exemplo, se durante um ano, eu obtiver lucro no meu investimento em dois meses e prejuízo nos outros 10 meses, vou pagar o imposto sobre o rendimento que obtive nos dois primeiros meses e arcarei sozinho com meu prejuízo nos outros dez meses”, explica Cardoso. Ele acha que pelo menos o imposto que paga deveria ser devolvido quando apresentasse prejuízo nos investimentos.

Gregório Mancebo Rodriguez, vice-presidente da Animec (Associação Nacional dos Investidores de Mercado de Capitais), concorda com Cardoso. “É um absurdo! No Brasil é a mesma tributação para quem investe em renda fixa e para quem investe em ações. Investir em título emitido por um banco, de médio ou longo prazo, que tem pagamento de juros, o tributo será na fonte em 20%. Se você investe em ações, onde o risco é maior por causa das oscilações, a tributação deveria ser menor e não é o que acontece”.

O tributarista do escritório Azevedo Sette Advogados – Fabio Tadeu Ramos Fernandes – explica que investimentos de pessoas físicas em ações com valores inferiores ou iguais a R$ 20 mil são isentos de tributação segundo a Lei 11.033, de 21 de dezembro de 2004.

Rodriguez conta que uma das bandeiras da Animec é tentar reduzir a tributação. “Neste ano houve uma pequena redução. Agora é de 15% para aquele investidor que ficar com o mesmo investimento por um prazo superior a dois anos. Mas se você tem um público com uma cultura mais em curto prazo essas pessoas podem ser penalizadas. O governo quer incentivar as pessoas a investir em longo prazo, por decreto, e isso não existe”.

Segundo o vice-presidente da Animec em muitos países desenvolvidos o investimento em ações é isento de tributação. O investidor paga o imposto somente no momento da declaração de Imposto de Renda da pessoa física.

Alternativa no clube de investimento
O diretor-geral do INI disse que o que pesa mais em termos de custos para o investidor são as taxas de corretagem e as diferenças na cotação do mercado fracionário. “Para reduzir esses custos, provenientes do pequeno volume aplicado, uma alternativa é se reunir em clubes de investimento. Nessa modalidade de investimento, o Imposto de Renda só é pago no ato do resgate das cotas pelo investidor. Durante a movimentação de compra e venda das ações do clube, não há incidência de Imposto de Renda. O INI indica também a formação de clubes de investimento como um instrumento propício para o aprendizado do mercado acionário”, explica Théo Rodrigues que conta também que um outro problema enfrentado é o aspecto cultural, a falta de conhecimento. “O fato de ser pequeno não inviabiliza a entrada do investidor no mercado, desde que ele escolha o mecanismo adequado. Sendo assim, o INI tem o objetivo de trazer ao investidor a orientação necessária para que ele aprenda a investir no mercado de ações, por meio de clubes de investimento e oferecer uma metodologia em que são explicados os princípios de investimentos e as ferramentas para aplicá-los”. Além da tributação, os pequenos investidores também enfrentam alguns problemas na forma de tratamento dado por algumas companhias, o que, segundo os investidores, já melhorou muito de uns tempos para cá.

Para contar melhor essa relação ninguém melhor que Cardoso. Ele afirma que o tratamento dado pelos bancos vem melhorando gradativamente por causa da concorrência acirrada. “O fato que ainda há muita variação entre as taxas cobradas por bancos de varejo. Comparando-se, por exemplo, as taxas de administração cobradas em fundos de investimento de mesma categoria entre grandes bancos de varejos e bancos de investimento de menor porte, pode-se encontrar uma diferença de até 3,5% ao ano”, explica o investidor.

Ele diz que para “o pequeno investidor, isso acarreta prejuízo, pois, normalmente, para investir em bancos de menos porte e, principalmente, em bancos de investimento, o capital inicial exigido é muito alto. Por esse motivo os bancos de varejo cobram taxas excessivas, ou seja, os pequenos investidores não têm para onde correr”.

Carlos Cardoso conta que já aconteceu de buscar um fundo de investimento em ações que superasse o ganho do Ibovespa (índice da Bolsa de Valores de São Paulo), que não tivesse uma taxa de administração abusiva, que pertencesse a alguma instituição confiável e que tivesse uma aplicação inicial de, no máximo, R$ 500,00. “O máximo que encontrei foi um fundo desse tipo que possuía uma aplicação inicial de R$ 2.000,00, numa instituição pouco conhecida”.

Para a IdeiasNet, a primeira empresa de participação em companhias de tecnologia da informação listada na Bovespa, um mercado de capitais forte não deixa de ser um dos fatores para desenvolvimento do país como um todo. Segundo Rodin Spielmann, diretor financeiro e de Relações com Investidores da empresa, um dos papéis do pequeno investidor é o de pulverizar o mercado em geral. “Em países desenvolvidos, grande parte do investimento em mercado de capitais está na mão dos pequenos investidores. A IdeiasNet desde a abertura de seu capital pratica os princípios da boa governança corporativa e proteção do acionista minoritário para que esse tenha a confiança necessária na gestão da empresa”, afirma Spielmann.

Rodriguez da Animec diz que há alguns anos as empresas tomavam decisões baseadas somente na opinião do controlador. “Nesses cinco anos de existência da Associação, conseguimos por meio das suas intervenções junto às empresas, à Bovespa e à própria CVM (Comissão de Valores Mobiliários) mostrar que os investidores devem receber tratamento igual. É o que chamamos de tratamento equânime. Assim, as empresas que passaram a agir dessa forma também começaram a ter melhores preços em Bolsa”, afirma.

Muito já se fez, mas é preciso mais. Rodin Spielmann, diretor financeiro da Ideiasnet acha que as empresas precisam passar maior confiança na governança corporativa, dar mais proteção ao acionista minoritário e uma possibilidade de retorno ao valor investido condizente com o risco que o investidor corre. “A taxa de juros no Brasil ainda está elevada, o que torna o investimento em fundos de renda fixa ainda atrativos para boa parte do pequeno investidor”.

Para o investidor Eduardo Cardo ainda será preciso esperar de 10 a 20 anos para o pequeno aplicador assegurar, definitivamente, o seu espaço no mercado de capitais. Ele dá exemplo de investidores em outros países e acredita que o programa “Bovespa vai até você” é só o começo. “Em países de primeiro mundo, pessoas de todas as classes sociais conhecem o mercado de ações. Eles compram ações de grandes empresas quando os filhos nascem para garantir o pagamento da faculdade. Sabem que no longo prazo a aplicação em ações se apresenta como um dos melhores investimentos que pode ser feito. Caminhoneiros nos Estados Unidos – enquanto descansam entre uma viagem e outra – compram e vendem ações com computadores com internet sem fio na estrada. Por isso acho importante esse trabalho que a Bovespa realiza. Mas acho que é apenas um começo, pois a cultura do brasileiro é avessa a risco. Acredito ser necessário uma grande divulgação não só da Bovespa, mas do Governo e dos grandes bancos atuantes no Brasil. Palavra do investidor”.

Guia do Pequeno Investidor – de abril de 2005