Foram os especuladores que quiseram especular', diz Lima, culpando mercado


Foram os especuladores que quiseram especular', diz Lima, culpando mercado


Mônica Tavares, Luiza Damé e Erica Ribeiro Brasília e Rio

Para diretor-geral da ANP, oscilação de preços na Bovespa não é problema seu

O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, negou ontem categoricamente que tenha feito o anúncio de um megacampo da Petrobras com potencial de 33 bilhões de barris e transferiu a culpa ao mercado, afirmando que houve especulação em cima de suas observações.

Para ele, tudo não passou de “um comentário para um público especializado”.

— Foram os especuladores que quiseram especular. Uns ganharam e outros perderam.

E os que perderam estão chateados — disse Lima, em audiência sobre royalties na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Ele alegou que os dados usados constavam da revista especializada “World Oil”, mas negou que tenha referendado as informações. Lima afirmou que é uma autoridade do setor e pode tratar em público da descoberta de campos de produção: — Sou autoridade para falar e estava falando para um público especializado. Não sou subordinado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O que não podia fazer, e não fiz, foi um anúncio. Apenas disse que existem grandes possibilidades.

Indagado sobre a reação do mercado, afirmou: — Isso não é problema meu.

É um problema da Bolsa de Valores. Nem sei onde fica essa Bolsa de Valores.

Governo não proporá punição contra Lima O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, deixou claro que o governo não está disposto a propor punição a Lima, e que o diretor tem mandato aprovado pelo Senado. Lobão afirmou que há um código de ética a ser seguido, mas que o comportamento de Lima só deverá ser analisado no futuro: — O que temos de cuidar é dos interesses do Brasil em relação ao petróleo.

Nos bastidores, o governo reprovou o tom de defesa utilizado ontem por Lima, que chegou a ser chamado de “trapalhão” pelo primeiro escalão do governo.

Para um ministro, Lima foi arrogante, o que o deixou numa situação ainda mais delicada.

Mas a percepção é a mesma de Lobão: não será possível fazer algo mais eficaz agora, já que Lima tem mandato. O diretorgeral da ANP mandou recados a ministros de que as declarações não foram intencionais.

Fabio Fonseca, ex-superintendente da CVM e professor de Finanças do Ibmec-RJ, diz que os investidores que aproveitaram a informação de Lima em um evento público não podem ser considerados culpados. Para ele, a culpa é de quem disseminou a informação de forma incorreta: — Se as pessoas estão em um lugar público, ouvindo uma pessoa pública de um órgão regulador dando uma informação relevante, podem imaginar que a informação está correta. Falar que a culpa é de quem comprou ou vendeu não faz sentido.

Para o especialista em mercado de capitais Bruno de Almeida Chaves, do escritório Azevedo Sette Advogados, a partir do momento em que uma informação circula e é relevante, dada pelo presidente de um órgão regulador, gera impacto e influencia o mercado: — Não há culpa ou responsabilidade pela informação obtida.

A responsabilidade é, sim, de Haroldo Lima.

— Suas declarações foram perigosas e assustaram — disse, por sua vez, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Para o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), é lamentável Lima dizer que não conhece o funcionamento da Bovespa. Já o senador Marcelo Crivella (PRBRJ) minimizou o episódio.

— Está claro que Lima ficou empolgado com a notícia da descoberta. Ele não teve intenção de causar tumulto. Não avaliou as repercussões — disse o líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PE).

Hoje à noite, Lobão viaja ao Rio para se reunir com o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, e, na quinta-feira, visita uma plataforma de petróleo na Bacia de Campos para obter dados das novas descobertas.

  • Versões conflitantes

Lima deu declarações diferentes sobre a área Carioca

Desde que o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, anunciou a possibilidade de haver 33 bilhões de barris de petróleo na área batizada de Carioca, na segunda-feira, diferentes versões sobre a origem da informação foram levantadas. Naquela manhã, no Rio, Lima afirmou que havia obtido os dados informalmente da operadora do bloco (no caso, a Petrobras). No fim da tarde, a ANP divulgou nota em que afirmava que o diretor se baseara em um artigo da revista americana “World Oil”. Ontem, em Brasília, Lima disse em uma audiência no Senado que não fez anúncio e que “os especuladores é que quiseram especular”.

O artigo da revista em questão é de autoria de Arthur Berman e foi publicado em fevereiro deste ano, com o título “What’s new in exploration” (“O que há de novo no setor de exploração”). Berman analisa três recentes descobertas na camada abaixo do nível do sal da Bacia de Santos — Tupi, Júpiter e Carioca, a qual chama de Carioca/Pão de Açúcar. Ele cita um relatório do UBS Pactual de dezembro e o site especializado Next Energy News, para embasar suas avaliações. Os 33 bilhões de barris seriam a média das estimativas de 25 bilhões a 40 bilhões de barris. O autor não entra em detalhes sobre o relatório, mas cita o trecho do site em que, “segundo funcionários da Petrobras, o campo de Pão de Açúcar poderia produzir até 40 bilhões de barris de petróleo.” A notícia foi postada no site em 17 de dezembro de 2007, e não fala em área de Carioca.

A confusão fica ainda maior quando se consideram os dois relatórios de analistas — do UBS e do Credit Suisse — divulgados em dezembro. No relatório do UBS, o analista Gustavo Gattass analisa quatro blocos exploratórios contíguos em uma área de acumulação de petróleo na Bacia de Santos a que ele chamou de Pão de Açúcar. Carioca ficaria em um daqueles blocos, o BM-S-9. Os quatro blocos juntos teriam reserva potencial de 52,163 bilhões de barris de óleo equivalente (inclui óleo e gás). Já no relatório do Credit Suisse, o analista Emerson Leite avalia que Carioca/Pão de Açúcar poderia ter entre 12 bilhões e 24 bilhões de barris de petróleo. Até agora, a Petrobras não confirmou as reservas.

Notícia publicada no jornal O Globo, 16 de abril de 2008