Itamaraty não é obrigado a pagar traslado de mortos no exterior


Itamaraty não é obrigado a pagar traslado de mortos no exterior


Especialistas consultados por Última Instância afirmam que o governo brasileiro não possui nenhuma obrigação, administrativa ou diplomática, de pagar as despesas em casos de morte de brasileiros no exterior. A avaliação corrobora com a atuação do Ministério das Relações Exteriores, que negou, na semana passada, possuir verba para ajudar a família da brasileira Ana Lúcia Bandeira Bezerra, morta dia 25 de setembro na cidade de Gênova, na Itália.

Segundo informou a assessoria do Itamaraty, a família da brasileira foi auxiliada naquilo que cabia ao ministério, como na busca de contato com os filhos de Ana Lúcia e nos diálogos com a família do ator Paolo Calissano, na casa de quem a brasileira estava quando morreu. Segundo a assessoria, a família do ator aceitou pagar o traslado do corpo, que deve chegar no Brasil entre esta terça (4/10) e sexta-feira (7/10).

Reginaldo Bandeira Bezerra, pai da brasileira, havia solicitado que o Itamaraty o ajudasse no pagamento do traslado do corpo ou providenciasse auxílio para que ele pudesse viajar para a Itália e realizar o enterro de sua filha naquele país. Segundo Aristóteles Dutra de Araújo Atheniense, vice-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e presidente da Comissão de Relações Internacionais da entidade, o Itamaraty agiu corretamente ao negar o pedido, pois uma decisão diferente “poderia abrir até um precedente e o governo teria de ter uma verba só para realizar este tipo de serviço”.

A serviço do Estado

“Existe a idéia errada de que o governo tem obrigação de custear as despesas de traslado ou pagar a viagem para que a família acompanhe o enterro”, diz o professor de direito internacional da UFMS (Universidade Federal de Matogrosso do Sul) Tércio Albuquerque. Ele explica que uma das possibilidades disso acontecer é quando o brasileiro está a serviço do seu país quando vem a morrer no exterior.

Outro caso possível, explica o professor, é quando o Estado estrangeiro possui alguma culpa na morte. O caso de Jean Charles explica bem a situação. Quando entrava em um trem do metrô na estação Stockwell, na zona sul de Londres, Charles foi atingido por oito disparos da polícia londrina, que o confundiu com um terrorista que tentara praticar um atentado na véspera. A pedido do governo brasileiro, a Inglaterra teve de pagar não somente as despesas com o corpo, mas as passagens para que a família de Jean acompanhasse o enterro.

Outro caso, segundo o professor, aconteceu há cerca de três anos, também na Itália. Mãe e filha, brasileiras e clandestinas, morreram enquanto trabalhavam num restaurante que foi incendiado devido a um problema elétrico. “Neste caso, o próprio governo italiano reconheceu a culpa do empregador e exigiu que ele pagasse todas as despesas, de translado, seguro, tudo”, descreve Albuquerque.

Auxílio administrativo

“As embaixadas e os consulados são os porta-vozes dos brasileiros no exterior”, afirma Ricardo Azevedo Sette, especialista em direito internacional, que também concorda com a posição do Itamaraty. Ele lembra, todavia, que cabe ao consulado “ajudar em tudo o que for possível” ao brasileiro que se encontra no exterior, seja a trabalho, seja a passeio.

Segundo Tércio Albuquerque, tal auxílio se dá simplesmente de forma administrativa, através de assessoramento jurídico, preparação de documentos e preparação de guias de transporte. Ele explica que o brasileiro no exterior deve sempre procurar o consulado “que responde pelas questões particulares” e não as embaixadas “que são mais responsáveis pelas questões de Estado”.
Um problema muito comum, diz o professor, são os brasileiros que perdem contato com a família e chegam a ser enterrados como indigentes em estados estrangeiros. “Quando não há repercussão, como acontece em muitos casos, a família nem chega a saber do que aconteceu”. Quando se trata de imigrantes ilegais, em alguns países, acontece até mesmo da família ter de pagar uma multa para que tenha o corpo do parente liberado.

Quando o brasileiro está com sua situação legal e morre, muitos procedimentos são mais simples. Para conseguir a documentação do parente, como atestado de óbito, por exemplo, a família pode recorrer ao Itamaraty, que toma as providências necessárias. No caso da pessoa morta deixar herança, mesmo que o processo corra no país estrangeiro, todos os herdeiros têm seus direitos garantidos, independente do país em que residam.

Última Instância em 05/10/2005