Leis sobrepostas dificultam resolução de problemas


Leis sobrepostas dificultam resolução de problemas


A legislação ambiental brasileira é a melhor da América Latina e uma das mais avançadas no mundo. Parte do pressuposto de que todos os cidadãos têm direito a um ambiente saudável, assim como as futuras gerações. O empecilho não é regulatório, mas de fiscalização. “Há um déficit de implementação”, concorda a senadora pelo Acre e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

As leis remontam à Constituição de 1988. A partir de então, surgiu uma profusão de normas nos âmbitos federal, estadual e municipal. “Muitas vezes as leis se sobrepõem. Um desperdício de energia e dinheiro”, diz Humberto Adami Santos Júnior, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas (ABAA).

A questão é eminentemente financeira, na avaliação de Raquel Biderman, advogada e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). “O meio ambiente não é prioridade do governo. Basta ver os orçamentos dos órgãos fiscalizadores”, diz ela. “Com recursos limitados, é impossível garantir um resultado satisfatório”, diz. Para contornar esse obstáculo, diz a advogada, seria preciso ampliar o nível de consciência dos cidadãos e incentivar o trabalho das organizações não-governamentais (ONGs).

Também é imperativo investir em equipamentos para os órgãos fiscalizadores, como aviões, e criar sedes dentro das regiões protegidas. Por fim, as leis apenas preveem punições, e não premiações. Os prêmios poderiam vir, por exemplo, na forma de subsídios e incentivos fiscais.

Além disso, lembra Adami, os bancos não mais deveriam financiar projetos danosos ao meio ambiente. “Só muito recentemente, as instituições financeiras mudaram suas agendas e passaram a ter precauções ambientais, embora a legislação preveja este comportamento desde 1981.”

“Em função da legislação nos três entes da federação, as leis acabam por ser cópias umas das outras”, avalia Svetlana Maria de Miranda, do Azevedo Sette Advogados. Mas isso é inevitável, segundo ela, porque os poderes locais têm mais condições de detectar problemas e saná-los. Existe ainda a gestão compartilhada, por exemplo, dos recursos hídricos. Pela natureza dos rios, por exemplo, a gestão das bacias necessariamente passa por União, Estados e municípios.

Svetlana diz que um dos grandes problemas é o licenciamento ambiental. Grande parte dos municípios é despreparada para lidar com a questão. Ela cita o exemplo das antenas de telefonia, que na maioria das vezes demoram muito tempo para ser instaladas, porque as cidades não têm corpo técnico e científico para avaliar a operação.

A possibilidade de a legislação brasileira vir a ser amenizada, por pressões vindas principalmente da bancada ruralista no Congresso, assustam Marina. Segundo ela, está em curso um movimento retrógrado. Na sua visão, é falaciosa a oposição entre o meio ambiente e o desenvolvimento, leia-se Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

“O PAC é importante e necessário. Mas é igualmente necessário proteger os ativos ambientais”, diz. Ela lembra que o Brasil ostenta a maior cobertura vegetal do mundo e 45% da matriz energética é limpa. “Muitos acham que podem postergar as questões ambientais.” Estas pessoas, de acordo com a ex-ministra, querem “escorregar para o princípio do prazer”, ignorando as consequências futuras.

A legislação ambiental vive a realidade de que, aqui, umas leis pegam e outras, não. Outros aspectos determinam o motivo pelo qual um escopo jurídico bem equacionado não seja seguido. De acordo com Svetlana, o porte das empresas define a adesão às práticas sustentáveis. As grandes corporações não ousam burlar as leis. Por serem exportadoras, com recibos de ações negociados na Bolsa de Nova York, o próprio mercado externo cuida de puni-las, se não observarem boas práticas.

Já as pequenas e médias se esquivam, quer por desconhecimento quer por má fé. Estudo da Carbon Disclosure Project (CDP) deteve-se na emissão de gases de efeito estufa na cadeia de fornecedores das 24 maiores multinacionais presentes no país. Entre 40% e 60% das emissões totais de gases provêm destas cadeias produtivas. Nada menos do que 42% companhias dizem não entender o risco que a mudança climática representa às suas operações e 33% alegam não ver nenhuma ameaça em seus processos.

“Os pequenos sentem-se injustiçados, porque certas exigências inviabilizariam os negócios. A maioria iria à falência se os seguisse”, diz Marina, o que novamente remete a facilidades fiscais.

Noticia Publicada no Jornal Valor Econômico,no caderno Especial Meio Ambiente