Maior rigor contra a pirataria - Conselho estuda proposta de mudança na Lei de Direitos Autorais


Maior rigor contra a pirataria - Conselho estuda proposta de mudança na Lei de Direitos Autorais


Renata Soneghetti – Do Jornal do Commercio

Poderá seguir ainda neste ano para o Congresso Nacional uma proposta de mudança do Artigo 46 da Lei de Direitos Autorais (9.610/98), que está sendo debatida pelo Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP), do Ministério da Justiça. A proposta foi apresentada pelos membros do setor privado do Conselho. A informação é do presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), Gustavo Starling Leonardos, em recente conferência realizada pelo procurador-geral e secretário de Justiça dos Estados Unidos, Alberto R. Gonzalez, no Rio. Mudanças no Artigo 184 do Código Penal, e no Artigo 210 da Lei de Propriedade Industrial também serão discutidas.

A conferência fez parte do almoço mensal da ABPI, associação sem fins lucrativos que, há 34 anos, congrega empresas, escritórios de agente de propriedade industrial, escritórios de advocacia e especialistas em propriedade intelectual, além de ser atuante junto ao CNCP. Na ocasião, Leonardos afirmou que, entre as conseqüências da prática da pirataria no Brasil, está o desemprego de 1,5 milhão de pessoas, por ano, além da perda fiscal de quase R$ 30 bilhões, nesse mesmo período.

Leonardos informou que “os casos de pirataria de remédio, de detergentes, de desinfetantes e de brinquedos tóxicos são os que mais têm causado danos à saúde dos que consomem produtos pirateados. A falta de responsabilidade criminal, aliada à dificuldade de se obter indenização e à facilidade de entrada no mercado brasileiro, tem feito com que 75% dos produtos pirateados venham do exterior, principalmente da China”, afirmou.

Recente reunião entre a ABPI e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), segundo Leonardos, foi realizada para definir a forma como um usuário pode fazer a cópia privada. “Propusemos uma mudança no Artigo 46 da Lei de Direito Autoral, de forma a nos aproximarmos mais da lei anterior de direitos autorais, que permitia a cópia integral para uso privado”, disse.

Leonardos explicou que o objetivo de alterar o Artigo 46 é tornar a lei mais rigorosa em relação à punição efetiva contra distribuidores da cópias ilegais e, ao mesmo tempo, torná-la mais branda para os usuários comuns que querem realizar cópias sem o intuito de comercializá-las. “Pretendemos abrandar as restrições àqueles que querem só utilizar as obras copiadas para colocá-las em outros meios, no entanto, pretendemos fazer com que em casos de quebra de mecanismos de proteção haja penas mais rigorosas, que levem a um resultado concreto”, afirmou.

A intenção em alterar o Artigo 184 do Código Penal, segundo afirmou, é incluir na lei a tipificação de alguns crimes como a quebra de mecanismos de anticópia, ainda não previstos, para que infratores sejam impedidos de produzir produtos piratas de forma deliberada. “Estamos tentando encontrar formas de responsabilizar quem faz a distribuição e não quem faz download”, afirma.

Potencial ofensivo. No Brasil, a pena para quem pratica a cópia ilegal, de até quatro anos de prisão, pode ser comutada ou suspensa por ser vista como uma previsão para crimes de menor potencial ofensivo. “Sempre houve o não cumprimento da sentença final condenatória, por conta de suspensão, comutação ou prescrição no curso de uma ação”, explica.

No que se refere à proposta de mudança do Artigo 210 da Lei de Propriedade Industrial, ele afirmou: “É difícil relacionar qualquer prejuízo ou lucro com o direito autoral. O juiz não tem como provar o valor perdido eem função da contravenção”, disse.

Voltado para a indenização a ser concedida à vítima de pirataria, o Artigo 210 trata dos lucros cessantes, que são determinados de acordo com: os benefícios que a parte prejudicada teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou com a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de licença para explorar um determinado produto.

A advogada Renata Lisboa, do escritório Araripe & Associados, em São Paulo, explica que, no que se refere à pirataria, a parte prejudicada deve entrar com uma ação no Judiciário. Caso seja julgada procedente, será apurado o valor da indenização a ser recebida. Renata Lisboa afirma que o estabelecimento de critérios para a criação de parâmetros de indenização seria positivo: “A grande dificuldade está em se aferir o dano causado pela prática delituosa aos lucros cessantes. Uma mudança nesse sentido seria bem-vinda. A prática mostra que a indenização obtida pela parte prejudicada não tem sido efetivamente punitiva e reparadora”.

Com relação à punição daqueles que infringem a Lei de Direito Autoral, Renata Lisboa diz: “Depois do aumento da pena para crimes contra o direito autoral, a competência saiu do Juizado Especial Criminal e passou a ser de responsabilidade das varas comuns. Desde a última mudança nessa lei, esses crimes deixaram de ser considerados de menor potencial ofensivo, fazendo com que a detenção se tornasse mais efetiva”.

No que se refere aos crimes de propriedade industrial, ela entende que uma proposta de alteração quanto à punição para esses tipos de crimes é necessária e mostra o porquê: “Os infratores se beneficiam com a transação penal, por meio da possibilidade que têm em trocarem o cumprimento da pena pelo de pagamento de cesta básica ou então por meio de prestação de serviços à comunidade, ao invés da reclusão”.

Cálculos. Segundo o advogado Eduardo Antônio da Silva, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial, em Santa Catarina, um dos problemas a serem solucionados é saber como uma empresa pode calcular quanto deixou de arrecadar ao ser vítima de pirataria. Para ele, mesmo que a empresa detenha o direito autoral sobre a propriedade industrial, ainda existe a dificuldade em se mensurar o lucro obtido por quem comete esse crime. “Para se chegar ao valor arrecadado com a venda de um produto é preciso saber quantas cópias foram feitas. Quando menos se espera, o contraventor já realizou a venda de milhares de exemplares do produto pirateado e não se tem como saber quantas unidades foram lançadas no mercado indevidamente”, afirma.

Eduardo Antônio da Silva acredita que os critérios estabelecidos no Artigo 210 em particular são razoáveis na medida em que seus incisos buscam diminuir ou reparar os danos. No entanto, para ele, a reparação precisa ser justa: “Hoje, ainda não se consegue mensurar quantas cópias foram vendidas no mercado. Portanto, não acredito que uma alteração nesse artigo, possa mudar essa situação”. Como solução, ele entende que é grande a necessidade de haver um controle maior da empresa por meio de um banco de dados eficiente. Sobre o Artigo 46, o advogado mostra o quanto ele tira o caráter ilícito da conduta. Ele explica que a cópia integral é crime, no entanto, hoje não é criminosa a reprodução de um só exemplar de um produto para uso próprio. Esse artigo permite que qualquer um faça a cópia de trechos de uma obra sem o objetivo de obter lucro, desde que fosse citada a fonte. “O apoio efetivo dos Estados Unidos é positivo para o Brasil. No entanto, é preciso haver uma atenção maior para que realmente não haja a punição de pessoas inocentes. Estas pretendem apenas fazer cópia para uso próprio.

Sobre as propostas anunciadas pelo presidente da ABPI, o membro da Força-Tarefa de Combate à pirataria da Câmara Americana de Comércio e advogado do escritório Azevedo Sette Advogados, em São Paulo, Paulo Ciari, mostra-se a favor da aplicação da penalidade efetiva com relação a várias modalidades de pirataria, com destaque para a de software. “Só na área de software, o percentual de pirataria está na ordem de 64% e a perda para o governo brasileiro chega a U$ 800 milhões de dólares por ano. Caso esse percentual caísse em 1%, seriam criados cerca de 20 mil empregos no setor”.

Ele acrescenta que, de acordo com a Lei 9.609/98, a Lei do Software, a pena é de seis meses a dois anos de prisão, para os que reproduzem software. Para aqueles que reproduzem e comercializam a pena é de um a quatro anos. E afirma: “A pirataria, além de estar ligada ao crime organizado e ao narcotráfico é muito mais lucrativa”.

A comprovação disso está no Relatório de Atividades do CNPC, divulgado no ano passado pelo Ministério da Justiça. O documento traz pesquisa inédita sobre os hábitos de consumo de produtos falsificados pela população brasileira e revela que o grande público consumidor está na faixa de 15 a 24 anos, e que, ao longo de 2005, foram apreendidos R$ 1,5 bilhão em produtos falsificados. Além disso, o relatório mostra que um dos segmentos mais pirateados, o de mídia, que inclui cds, dvds e softwares, contabilizou a apreensão de 33 milhões de unidades, quase o dobro da mercadoria apreendida em 2004, quando foram apreendidos de 17,5 milhões.

Cooperação internacional

Durante a conferência, Alberto R. Gonzalez reiterou apoio ao Brasil no combate à pirataria e citou como criminosos têm usado a internet como ferramenta para violar leis que protegem marcas comerciais e direitos autorais. O encontro ocorreu no mesmo dia em que Gonzalez se reuniu com o governador Sérgio Cabral e o prefeito Cesar Maia, no Palácio Laranjeiras, para anunciar o treinamento de policiais fluminenses pela polícia norte-americana, além da troca de informações entre o FBI (polícia federal dos EUA) e setores de segurança do estado do Rio.

“Em minha opinião, nosso trabalho deve prosseguir em várias frentes. Precisamos fortalecer nossos esforços globais de fiscalização, garantir leis severas de propriedade intelectual, aumentar os recursos destinados à aplicação das leis de propriedade intelectual e trabalhar para aumentar o número de operações conjuntas entre os EUA e o Brasil”, afirmou o secretário.

O secretário destacou que o governo americano aumentou o número de promotores treinados para lidar com crimes de propriedade, além de trabalhar com o Congresso americano no que concerne ao reforço de penalidades para os infratores. Segundo o secretário, no ano passado, os promotores do Departamento de Justiça capacitaram em investigações e processos referentes à propriedade para mais de 3.300 promotores, investigadores e juízes estrangeiros em 107 países. “Nós estamos capacitando a mais pessoas todos os dias”, disse.

Notícia publicada no Jornal do Commercio Brasil, 26 de fevereiro de 2007