Medidas de Combate à Pirataria e Irregularidades no Comércio Eletrônico de Equipamentos de Telecomunicações


Medidas de Combate à Pirataria e Irregularidades no Comércio Eletrônico de Equipamentos de Telecomunicações


Desde há muito a Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”) tem atuado com constância e firmeza para combater a pirataria no âmbito dos serviços de telecomunicações, bem como para excluir do mercado dispositivos em desconformidade com a legislação regulatória do setor.

Exemplificativamente, no ano de 2023, medidas adotadas pela Anatel resultaram no bloqueio de quase 4 mil endereços de servidores de veiculação de conteúdo audiovisual por meio de decodificadores (“TV boxes”) com o uso de tecnologias em desacordo com os regulamentos do serviço de TV por assinatura (que, no Brasil, recebe a denominação de “Serviço de Acesso Condicionado” ou, de maneira abreviada, “SeAC”). Nesta ação, a Anatel bloqueou compartilhamentos de chave de criptografia dos sinais de SeAC, assinaturas piratas, bem como a transmissão de sinais de televisão por redes de protocolo de internet (“IPTV”). 

No final do mesmo ano, uma operação que envolveu não somente a Anatel, como também prestadoras de serviços de banda larga e o Ministério da Justiça, bloqueou 1,2 mil sites de streaming ilegal e aplicativos de pirataria durante a transmissão da final de um relevante torneio de futebol brasileiro.

Já no que diz respeito a dispositivos utilizados em telecomunicações, outra ação fiscalizatória da Anatel conduzida em 2023 no âmbito de seu Plano de Ação de Combate à Pirataria (“PACP”) e que envolveu o centro de distribuição de uma empresa que fabrica, importa e comercializa produtos eletroeletrônicos e de informática, lacrou 112 mil produtos em desconformidade com a regulamentação setorial, como carregadores de celulares, fones de ouvido, aparelhos sem fio, drones e diversos outros itens, que foram avaliados em mais de 2 milhões.

Segundo informado pela Anatel, as ações do PACP realizadas entre 2018 e novembro de 2023 resultaram na retirada do mercado de 7,5 milhões de produtos irregulares com valor estimado de R$ 630 milhões.

Outras ações relevantes da Anatel tiveram por alvo telefones celulares disponíveis para aquisição em sites de comércio eletrônico (“marketplaces”) no país. Em virtude da significativa quantidade de aparelhos não homologados vendida no Brasil, a Anatel contatou alguns marketplaces solicitando a adoção de medidas voltadas à descontinuidade da venda de dispositivos sem dados comprobatórios de sua conformidade regulatória (e que inclusive poderiam ser objeto de contrabando e outros ilícitos), como exigir que os vendedores publiquem anúncios contendo o código EAN (do inglês “European Article Number”) dos itens comercializados, bem como o número de homologação dos respectivos modelos.

Vale esclarecer que o código EAN é um código de barras, contendo 13 números, que inclui dados como país de origem, fabricante e modelo. A título de curiosidade, o país de origem do produto é identificado pelos primeiros três dígitos, sendo o Brasil identificado pela numeração 789. Esse código é gerado pelo fabricante e identifica um produto individualmente.

Deve-se enfatizar que, de acordo com a legislação setorial, a certificação e a homologação de produtos são obrigatórias, sendo vedados o uso e a comercialização no Brasil de equipamentos que não sejam homologados pela Anatel. Segundo as palavras da própria Agência, estes procedimentos “garantem ao consumidor a aquisição e o uso de produtos para telecomunicações que respeitam padrões de qualidade, de segurança e de funcionalidades técnicas regulamentadas que visam o uso eficiente e racional do espectro radioelétrico, da compatibilidade eletromagnética e da não agressão ao meio ambiente”. Trata-se de um procedimento ao qual devem se submeter todos os itens determinados pela Agência, tais como smartphones, baterias e carregadores, além de outros.

Ainda que a Anatel tenha conferido aos marketplaces um período para a adaptação de suas plataformas, estas medidas não tinham caráter obrigatório e, conforme avaliou a Agência, as tentativas de mediação não obtiveram êxito em coibir a venda de itens desconformes. Assim sendo, em 21 de junho de 2024, foi publicado o Despacho Decisório nº 5657/2024/ORCN/SOR da Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação da Anatel (“Despacho”).

O referido normativo contém diversas determinações que deveriam ser atendidas pelos marketplaces dentro do prazo de 15 dias a partir de sua publicação: (i) inclusão obrigatória do número de código de homologação dos telefones celulares ofertados, à qual é condicionada a veiculação dos respectivos anúncios; (ii) implementação de um procedimento voltado à validação dos códigos de homologação em face das informações contidas na base de dados da Anatel, para que seja possível veicular o anúncio no marketplace; (iii) impedimento ao cadastramento de dispositivos com códigos em desacordo com a validação mencionada no item anterior; e (iv) retirada de anúncios não submetidos ao citado procedimento de validação.

O Despacho prossegue esclarecendo que os marketplaces passam a ser classificados em diferentes categorias, como segue: 

  • Empresas conformes – marketplaces com 100% de celulares ofertados homologados (sendo que, nos 15 dias de ajustes, tal percentual seria de até 90%);
  • Empresas parcialmente conformes – aquelas que demonstram a implementação de mecanismo eletrônico de identificação de produtos passíveis de homologação (por meio de código de homologação validado) e que não contenham mais de 30% de telefones não homologados (sendo que, no prazo de 15 dias anteriormente mencionado, o marketplace deveria adotar medidas para a regularização dos respectivos anúncios); e
  • Empresas não conformes - plataformas com mais de 30% de anúncios de telefones não homologados, bem como as que não tenham adotado as medidas para a publicação de anúncios de acordo com as determinações da Anatel. 

A mais, o Despacho listou e classificou marketplaces que foram fiscalizados no início de junho de 2024. Três marketplaces foram considerados empresas conformes; dois foram elencados como empresas parcialmente conformes, com 22,86% e 7,79% dos telefones não homologados, respectivamente; e outros dois foram identificados como empresas não conformes, apresentando, respectivamente, 51,52% e 42,86% dos celulares não homologados.

É importante observar que, de acordo com os termos do Despacho, outras empresas poderão ser fiscalizadas por parte da Anatel e, a partir do momento em que estas empresas adicionais forem identificadas, passarão a estar igualmente sujeitas às disposições do Despacho. 

O Despacho especificou também que as empresas que deixassem de cumprir as suas determinações no prazo de 15 dias, estariam sujeitas a medidas punitivas. As penalidades descritas são:

  • Multa diária de R$ 200 mil até o 25º dia de apuração;
  • Se, a partir do 11º dia de apuração, deixassem de adotar medidas para a retirada de anúncios irregulares, deveriam retirar a  totalidade dos anúncios de telefones celulares existentes, até estarem em conformidade com a regulamentação da Anatel, havendo a aplicação de multas diárias adicionais de R$ 1 milhão;
  • A partir do 21º dia de apuração sem a adoção das medidas mencionadas no item anterior, deveriam retirar todos os anúncios de equipamentos emissores de radiofrequência que fazem uso de WiFi, bluetooth, 2G, 3G, 4G e 5G até ser verificada a conformidade com as normas da Anatel, havendo a aplicação de uma multa diária adicional de R$ 6 milhões;
  • Após 25 dias sem a implementação das providências mencionadas no Despacho, a Anatel poderia proceder ao bloqueio do domínio da plataforma até que os anúncios estejam conforme a regulamentação.

Uma disposição adicional contida no Despacho é de grande valia para os consumidores: os marketplaces devem divulgar o endereço eletrônico da Anatel que permite verificar a conformidade dos dispositivos no que se refere à homologação exigida. O atendimento às disposições do Despacho, vale ressaltar, será informado à Receita Federal do Brasil e à Secretaria Nacional do Consumidor.

De fato, o combate à pirataria e as medidas dedicadas a eliminar a desconformidade com as normas regulatórias de telecomunicações é de grande importância. Segundo notícias veiculadas na imprensa em maio de 2024, um levantamento realizado pela Aliança Contra a Pirataria de Televisão Paga detectou que conteúdo pirateado é assistido por mais de 16 milhões de lares brasileiros, sendo mais de 38% dos mesmos com conexões ilegais. Ainda de acordo com a mesma entidade, a estimativa é de perdas de arrecadação superiores a R$ 3 bilhões e prejuízos para a indústria brasileira que excedem R$ 19 bilhões.

Mais ainda, a Anatel afirmou que pretende retirar dos domicílios brasileiros TV boxes não homologados, ou seja, que não seguiram o procedimento necessário para a comercialização legalizada dos dispositivos. Convém lembrar que o uso de tais equipamentos possibilita ataques digitais aos usuários e/ou às redes das prestadoras de serviços de telecomunicações.

Sobre o assunto, é também importante saber que em março de 2024 ocorreu no Brasil a primeira condenação criminal relativa à pirataria de conteúdo audiovisual por meio de IPTV, com penas atribuídas a violações de direitos autorais e crimes contra relações de consumo. Neste caso, houve o envolvimento de diversos dispositivos para acesso ao painel de administração de um serviço ilegal de IPTV, que contava com mais de 20 mil usuários e faturamento estimado superando R$ 4,5 milhões num período de 12 meses.

Diante do cenário como um todo, é fácil entender que ações voltadas ao combate à pirataria de conteúdo audiovisual no Brasil e à inspeção da conformidade regulatória de equipamentos certamente continuarão ocorrendo e, portanto, o cumprimento integral da regulamentação de telecomunicações deve ser observado por todos os players do mercado.

Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.