Nova modalidade de procedimento licitatório


Nova modalidade de procedimento licitatório


A recorrente necessidade de novos projetos de infra-estrutura, a incapacidade das autoridades públicas de vários países em identificar e levar adiante empreendimentos dessa natureza e o dinamismo da iniciativa privada têm ensejado o crescimento da modalidade de contratação denominada Unsolicited proposal.

Unsolicited proposal é a denominação genérica para uma modalidade de procedimento licitatório diferenciado, por meio do qual um ou mais entes privados oferecem a uma entidade pública, sem qualquer solicitação ou procedimento prévio, proposta para o desenvolvimento, implementação ou exploração de determinado projeto público. Em geral, isso é feito na área de infra-estrutura, mediante o compromisso por parte de tal entidade pública de lhes garantir certas vantagens no decorrer da licitação.

No âmbito das Unsolicited proposals, determinada empresa privada, às suas expensas, identifica oportunidade de negócio, realiza estudos prévios e apresenta proposta preliminar à administração pública, com o objetivo de dar início ao procedimento de licitação, aberto a outras empresas. A administração pública, por sua vez, recebe os estudos desenvolvidos pelo ente privado, analisa preliminarmente sua viabilidade técnica e financeira, define se o projeto atende ao interesse público, bem como regula e conduz o procedimento de licitação, do qual poderão participar outros interessados.

As vantagens conferidas à empresa autora da Unsolicited proposal geralmente consubstanciam-se: no direito de superar ou igualar a proposta mais vantajosa apresentada ao poder público no âmbito da licitação aberta, sendo-lhe então atribuído o direito de preferência na adjudicação do projeto (modalidade designada Swiss challenge); ou no direito de realizar o projeto mesmo que não apresente a proposta mais vantajosa à administração pública, até certo limite, designado bônus (modalidade designada Bonus system). Normalmente, o bônus é fixado em 10%.

A United Nations Commission on International Trade Law (Uncitral) editou em 2001 documento intitulado Legislative guide on privately financed infrastructure projects, que sugere procedimentos a serem adotados por entidades da administração pública quando do recebimento de propostas não solicitadas de projetos públicos. Tais procedimentos, segundo a Uncitral, devem abranger algumas etapas.

Tudo começa com a proposta inicial. O ente privado submete a proposta contendo descrição da experiência e condições financeiras do proponente, descrição do projeto (tipo, localização, impacto regional, investimento, custos operacionais, análise financeira e recursos públicos necessários) e descrição do local onde o projeto deverá localizar-se (questões a respeito de propriedade imobiliária e de outros bens necessários à implantação do projeto, necessidade de desapropriações, etc.).

Recebida a proposta inicial, a administração pública deve responder se a implantação do projeto sugerido atende ou não ao interesse público. Caso a resposta seja afirmativa, a administração deverá convidar o ente privado a apresentar proposta formal.

Essa proposta formal, além das matérias tratadas na proposta inicial, deve abordar as questões de viabilidade econômica e técnica do projeto (incluindo características, custos e benefícios), apresentar estudo ambiental e descrever o conceito e tecnologia necessários para sua implementação. Todos os direitos relativos a tais informações permanecerão de propriedade do ente privado.

A administração pública deve então analisar a proposta formal e determinar se é do interesse público a continuidade do processo. Caso afirmativo, são iniciados os procedimentos formais de licitação, garantindo a condição de primeiro licitante ao ente privado que realizou os estudos preliminares.

A partir daí, a administração pública dá início a processo de licitação, aberto à iniciativa privada, no âmbito nacional ou internacional, conforme o caso. Apresentadas as propostas e apreciado seu mérito, é definido o vencedor do procedimento, assegurando-se as vantagens conferidas à empresa autora da Unsolicited proposal, vantagens essas definidas no documento regulatório da concorrência.

O maior obstáculo ao desenvolvimento de projetos com base em Unsolicited proposals é a impressão de falta de transparência da administração pública e a aparente restrição da concorrência causada pela negociação bilateral entre a administração e a empresa que dá início ao processo. Tais questões podem ainda afetar o financiamento do projeto, tendo em vista que certas entidades, como, por exemplo, o Banco Mundial, têm restrições ao financiamento de empreendimentos licitados nessa modalidade.

Outra corrente preocupação da iniciativa privada é a receptividade legal de ofertas na modalidade de Unsolicited proposals. De fato, há países cujas leis vedam expressamente a apresentação de propostas não solicitadas à administração pública. Em outros, há restrições que dificultam a atuação da iniciativa privada. Todavia, há nações como Equador, Filipinas, Chile, Coréia do Sul e África do Sul que já desenvolveram projetos de infra-estrutura gerados com base em ofertas não solicitadas.

No Brasil, por exemplo, a Lei nº 8.666 não permitiria esse tipo de licitação e contratação para os assuntos por ela regulados. Por outro lado, a Lei nº 9.074 permite que nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou uso de bem público os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo participem, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços, mas não contempla qualquer preferência ao primeiro licitante.

Não obstante as restrições que o tema comporta, as Unsolicited proposals podem ser uma forma interessante de se desenvolver empreendimentos de infra-estrutura.

Artigo publicado no jornal Estado de Minas, 29 de janeiro de 2007