O acesso das empresas do agronegócio ao mercado de valores mobiliários


O acesso das empresas do agronegócio ao mercado de valores mobiliários


É sabido que as empresas atuantes no agronegócio brasileiro possuem muita dificuldade para financiar as suas atividades produtivas e que este tema merece total atenção em face dos atuais resultados econômicos do setor. As margens de lucro encontram-se cada vez mais reduzidas, a escala de produção torna-se fundamental e a necessidade de recursos financeiros cresce a cada dia, mormente diante de um mundo globalizado e pautado pelo comércio internacional de commodities.

Somando-se a estes aspectos, o custo do dinheiro no nosso País é extremamente elevado e o crédito destinado ao agronegócio, com custos menores, é limitado e insuficiente para atender a demanda das empresas.

Diante desta situação, a captação de capital integra constantemente a pauta de reuniões de sócios e/ou administradores destas empresas, seja no seu dia a dia, ou seja na elaboração dos Planos de Negócio. Discute-se, como alternativa à obtenção de crédito junto às instituições financeiras, outras formas de financiamento, entre elas o ingresso no Mercado de Capitais.

Entretanto, o Mercado de Capitais tende a ser visto pelas empresas do agronegócio como uma ação complexa e de difícil acesso, muitas vezes em decorrência das próprias características estruturais destas sociedades.

A grande maioria das empresas atuantes no setor agrícola brasileiro possui origem familiar e muitas ainda não modernizaram a sua forma de gestão, mantendo-a centralizada nas raízes da família fundadora. Encontram-se usualmente constituídas sob a forma de sociedade limitada, sem qualquer regulamentação quanto aos possíveis conflitos societários, sobretudo quando entram em cena a segunda, terceira e/ou outras gerações na linha sucessória.

Não é comum existir nestas sociedades um Conselho de Administração, acordos de quotistas e/ou acionistas, quoruns qualificados para deliberação de matérias relevantes, tais como: a contratação de empréstimos, aumentos de capital, concessão de garantias, alienação de bens imóveis, venda de participação, entre outras.

Por conseqüência, em razão dessa falta de regulamentação da relação entre os sócios, muitos conflitos acabam surgindo entre os herdeiros no momento do falecimento do dono da empresa, ou diante de uma situação na qual algum dos sócios tenha interesse em vender a sua participação, o que acaba por comprometer a lucratividade e o valor do negócio.

Da mesma forma, questões relevantes economicamente para a valoração de um negócio e envolvendo o patrimônio intangível da empresa são deixadas de lado, sem maior tutela jurídica dos sócios, tais como: (i) a tecnologia aplicada na atividade e a possibilidade de se agregar valor aos produtos, como, por exemplo, na produção dos denominados cafés especiais, quase sempre mantida sob a guarda dos fundadores da empresa; e (ii) a exposição da marca nos mercados nacional e internacional.

Tais características, infelizmente, são realmente contrárias aos princípios da abertura de capital como forma de financiamento da atividade produtiva por custos possivelmente mais acessíveis se comparados ao mercado financeiro. Muitas vezes inviabilizam o acesso de empresas do agronegócio que necessitam de capital de giro, com encargos, em princípio, mais amenos.

As “boas práticas de governança corporativa”, requeridas para o ingresso no Mercado de Capitais, revelam como princípios situações não consideradas até então por empresas tipicamente familiares e centralizadas, conforme mencionado anteriormente, entre estas: (i) a ampliação dos direitos dos acionistas; (ii) maior transparência e qualidade das informações prestadas; e (iii) maior segurança e agilidade para a resolução de conflitos societários.

Parece extremamente difícil que a administração de uma empresa deste setor concorde, por exemplo, com reuniões públicas anuais com analistas e investidores, com a existência de um Conselho de Administração composto por, no mínimo, 20% (vinte por cento) de conselheiros independentes, com a adesão à Câmara de Arbitragem do Mercado para solução de conflitos societários, com a manutenção em circulação de pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) das ações e com a adoção do tag along, ou seja, extensão para todos os acionistas das condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia, entre outras regras de governança.

Por isso, poder-se-ia defender a inviabilidade da adoção de práticas de governança no agronegócio brasileiro.

Em vista destas situações, as empresas do agronegócio geralmente, e repetidamente, optam por outras formas de captação de recursos financeiros, tais como: a organização de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC, de Fundos de Investimentos em Participação – FIPs, operações envolvendo Cédulas de Produto Rural – CPRs, Certificados de Depósito Agropecuário e Warrant Agropecuários, entre outros.

Contudo, não chegam a avaliar a possibilidade de iniciarem um processo de reestruturação societária da empresa, com foco não apenas na abertura de capital, mas também na preservação e elevação do valor da empresa, o que revela uma preocupação típica das companhias de capital aberto.

É cediço que a abertura de capital e o ingresso no Novo Mercado (1) também são opções viáveis e atraentes para o agronegócio, desde que desenvolvidas de forma planejada e estruturada.

Ocorre que, as empresas interessadas em direcionar esforços para abrir o capital e ingressar no Novo Mercado devem se preparar com antecedência. Precisam analisar a sua estrutura jurídica e adequá-la a este objetivo, iniciando a mudança de cultura pré-existente e implementando todas as diretrizes exigidas pela legislação aplicável. Os aspectos societários passam a ter enorme peso no processo e a característica familiar e centralizadora deverá ser abandonada pelos sócios.

Faz-se necessário que os sócios avaliem os seus reais objetivos e verifiquem a viabilidade de mudanças na forma de gestão das suas empresas, o que muitas vezes significa o afastamento da própria família enquanto gestora da atividade, antes de decidirem sobre o caminho a ser seguido com relação ao ritmo de crescimento, necessidade de capital e potencial efetivo do negócio.

Felizmente, o aumento de consultas de empresas deste setor sobre processos de abertura de capital e acesso ao Novo Mercado, e o início da reestruturação societária de pessoas jurídicas ligadas ao agronegócio, comprovam o início de um movimento nesta direção.

Revela-se importante destacar, com relação ao processo de abertura de capital, que os custos e atos jurídicos necessários à preparação da empresa, assim como os benefícios, tendem a ser proporcionais ao desafio proposto às empresas que aceitem adotar as boas práticas de governança corporativa.

Como exemplo, as ações negociadas no Novo Mercado têm valorização média de 8,5% (oito e meio por cento) no primeiro dia de negociação e, em 6 (seis) meses, esse número salta para 44% (quarenta e quatro por cento) em média _. Já em comparação com as ações negociadas na Bolsa, as ações do Novo Mercado valem, em média, 50% (cinqüenta por cento) a mais _(3).

Diante todo o exposto, resta-nos concluir que as empresas atuantes no agronegócio brasileiro não podem e não devem afastar a possibilidade de se tornarem uma companhia de capital aberto em face das dificuldades estruturais que as acompanham desde a origem. Pelo contrário, devem planejar a mudança cultural e desenvolver o seu arcabouço societário no sentido de prevenir conflitos e prover soluções de continuidade, preservando o valor do negócio, e criando os fundamentos necessários para receber diretamente recursos de investidores interessados no resultado da atividade através do mercado de capitais.

Acreditamos que diante do cenário de concentração que se projeta para o agronegócio, a abertura de capital será uma conseqüência natural e as empresas que já estiverem preparadas prevalecerão sobre aquelas que ainda permanecerem inertes a esta tendência.

(1) A opção pela abertura de capital pode se dar pelo mercado de bolsa tradicional ou pelo chamado Novo Mercado, ambos controlados pela Bovespa. O Novo Mercado tem se mostrado como alternativa mais atraente para os investidores, em razão das premissas de governança corporativa que adota.
(2) Cf. Revista Exame, 29/03/2006.
(3) Cf. Jornal Valor Econômico, 10/12/2004.