O estrategista e o executor


O estrategista e o executor


Com estilos antagônicos, os empresários Luiz Carlos Batista, dono da Insinuante, e Ricardo Nunes, da Ricardo Eletro, juntaram-se para criar a segunda maior rede de móveis e eletrodomésticos do país.

O carioca Luiz Carlos Batista, de 45 anos, e o mineiro Ricardo Nunes, de 40, não poderiam ter personalidades mais distintas. Batista é dono da Insinuante, a maior rede de eletroeletrônicos do Nordeste. Sujeito tímido, do tipo que tem na calculadora financeira sua melhor amiga, ele costuma analisar as notícias de jornais e revistas com cuidado, à procura de oportunidades de negócio. Nunes, o dono da Ricardo Eletro, líder na venda de eletroeletrônicos em Minas Gerais, é o típico vendedor. Expansivo e carismático, ele dá pitacos em todos os departamentos da empresa (às vezes não só na sua). No dia 29 de março, essas figuras aparentemente antagônicas se uniram, dando origem à segunda maior rede de móveis e eletrodomésticos do país, atrás apenas do grupo Pão de Açúcar. Batizada de Máquina de Vendas, a nova empresa nasce com um faturamento anual de cerca de 4 bilhões de reais e 528 lojas, desbancando o até então vicelíder Magazine Luiza. Com controle dividido meio a meio entre os dois clãs, a nova varejista vai manter as marcas Ricardo Eletro e Insinuante separadas. “Temos características complementares. Por que não unir forçar e criar uma potência no varejo nacional?”, diz Nunes. “Já nascemos com uma meta ambiciosa: dobrar de tamanho até 2014”, afirma Batista. Pelo acordo de fusão, Nunes ficará com a presidência da nova empresa e Batista, com a presidência do conselho de administração.

Embora pareça uma solução relativamente óbvia em um mercado em franca consolidação, a união das duas empresas – ambas com mais de 20 anos de existência – só começou a ser cogitada em dezembro do ano passado, depois que o grupo Pão de Açúcar adquiriu a Casas Bahia. “A ideia partiu de alguns fornecedores”, diz Nunes. “Segundo eles, Insinuante e Ricardo Eletro eram operações complementares e, juntas, poderiam fazer frente a Abilio Diniz.” O primeiro passo para a fusão foi dado pelo próprio Nunes. Na tarde do dia 11 de janeiro, ele telefonou para Batista de seu escritório em Belo Horizonte propondo a junção das companhias. De imediato, Batista achou que a ideia poderia vingar. “Nos encontramos já na semana seguinte, em São Paulo, para não levantar suspeitas “, diz. As negociações se estenderam por quase três meses, e incluíram, além de conversas diárias, pelo menos cinco encontros com parentes de ambos os lados. A preocupação em envolver a família permeou todas as etapas da operação, até sua conclusão. Logo após o fechamento do negócio, às 6 horas da manhã de um sábado, 27 de março, Nunes e Batista voltaram para suas cidades a fim de buscar os familiares. No dia seguinte, mais de 20 pessoas estavam em São Paulo, vestidas em traje de festa, para participar de um jantar de comemoração pela criação da nova empresa.

Donos de duas das maiores redes de eletroeletrônicos do país, Nunes e Batista trilharam trajetórias semelhantes – e, cada um a seu modo, compartilham do mesmo estilo “mão na massa” que costuma caracterizar os empresários brasileiros que fizeram fortuna a partir do zero. Quando tinha apenas 18 anos, Batista decidiu abrir uma filial da Insinuante, uma pequena loja de eletrodomésticos criada por seu pai em 1959, na Baixa do Sapateiro, no centro velho de Salvador. Ele próprio se encarregava de vender os produtos e montar os móveis na casa dos clientes. De tanto veicular comerciais locais no SBT, a Insinuante passou a ser conhecida na cidade como “a rede do Silvio Santos”. Foi a senha para que a companhia não parasse mais de crescer. Hoje a Insinuante está presente em todas as 95 cidades nordestinas com mais de 50 000 habitantes. “Batista enxergou a explosão do Nordeste antes de qualquer outra rede”, diz Fernando Barros, presidente da agência de publicidade Propeg, responsável pelas campanhas da Insinuante. “É um estrategista nato.” Todos os dias, o empresário acompanha as vendas de cada uma das lojas Insinuante por meio de 28 monitores instalados numa das salas na sede da empresa, em Vitória da Conquista, a 300 quilômetros de Salvador. Quando os resultados de uma loja não seguem conforme o esperado, Batista convoca uma reunião in loco para as 6 horas da manhã do dia seguinte (o fato de ele possuir um jato King Air C90, da Beechcraft, ajuda nesses deslocamentos repentinos).

Juntas para crescer

A fusão entre as varejistas Ricardo Eletro e Insinuante criou a segunda maior rede de móveis e eletrodomésticos do país e mudou a configuração do varejo desse ramo, deixando o Magazine Luiza para trás (em bilhões de reais)

Nunes é ainda mais ligado ao dia a dia da operação – seu estilo de gestão já se tornou folclórico dentro e fora de Minas Gerais. Muito embora a Ricardo Eletro tenha se convertido numa rede de 268 lojas, Nunes ainda dá expediente atrás do balcão. “Há cerca de 15 dias, comprei uma TV de plasma de 52 polegadas numa das lojas Ricardo Eletro”, diz o advogado Ordélio Azevedo Sette, do escritório Azevedo Sette Associados em Belo Horizonte. “Fui atendido pelo próprio Ricardo. Ele mantém a mesma postura de 20 anos atrás.” Assim como Batista, a carreira empreendedora de Nunes teve início quando ele ainda tinha 18 anos de idade. Nessa época, costumava comprar ursos de pelúcia na rua 25 de Março, tradicional centro de comércio popular em São Paulo, para revendê-los em Minas. Com o lucro dos bichinhos, passou a comercializar eletrodomésticos – e, desde então, levou sua paixão por vendas ao limite da obsessão. Nunes costuma carregar consigo pelo menos três celulares, de modo que os gerentes das lojas possam negociar descontos diretamente com ele. Vez ou outra, visita os centros de distribuição da empresa durante a madrugada (de uma das jane las de seu escritório, em Contagem, na Grande Belo Horizonte, ele enxerga todo o estoque da Ricardo Eletro em Minas Gerais).

A julgar pelos últimos resultados apre sentados pelas duas redes, a Máquina de Vendas tem condições de se tornar a maior ameaça ao reinado de Abilio Diniz, presidente do conselho de administração do grupo Pão de Açúcar. Tanto a Ricardo Eletro como a Insinuante vêm crescendo em média 50% ao ano, ante 15% da média do setor de eletroeletrônicos. As duas empresas contam com uma posição dominante em suas regiões de origem. A rede comandada por Ricardo Nunes detém cerca de 30% de participação nos mercados do Centro-Oeste e em Minas Gerais. A Insinuante, por sua vez, concentra aproximadamente 20% do mercado nordestino, de longe o que mais cresce no país. Nos últimos três anos, cada uma delas recebeu pelo menos duas ofertas de compra – que não seguiram adiante justamente pela resistência de Nunes e Batista em abrir mão do controle de suas companhias.

A despeito do clima de euforia que permeou o anúncio da fusão, é pouco provável que os dois empresários tenham vida fácil daqui para a frente. Isso porque, para crescer, a Máquina de Vendas escolheu justamente os dois maiores e mais disputados mercados do país: o Rio de Janeiro, onde a Ricardo Eletro deve inaugurar cerca de 30 lojas até o final deste ano, e São Paulo, com estreia prevista para 2011. As duas regiões são redutos cativos de Casas Bahia e Ponto Frio, que detêm 30% e 35% de participação, respectivamente. Além disso, o Magazine Luiza, deve inaugurar 30 lojas na capital paulista até dezembro, e planeja partir para os estados do Nordeste em 2011. Antes mesmo que a concorrência tenha tempo de se armar, Nunes e Batista esperam encontrar novos alvos de aquisição. Até agora, as conversas giraram em torno de duas pequenas redes regionais: a Colombo, do Rio Grande do Sul, e a City Lar, em Mirassol D’Oeste, em Mato Grosso, ambas com pouco mais de 100 lojas cada. O tempo vai mostrar se a estratégia e a execução vão, de fato, caminhar juntas.