O novo foco de investigações do Ministério da Justiça


O novo foco de investigações do Ministério da Justiça


A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, órgão que investiga condutas (SDE) anticoncorrenciais no país, declarou que o foco de sua atenção para este ano no combate aos cartéis será as entidades representativas de classe, como associações e sindicatos patronais. Além disso, anunciou que os setores mais visados serão os de construção civil, alimentos e combustíveis.

O anúncio da SDE não pode ser entendido sem a observação de alguns dados importantes: o avanço do programa de leniência e o aumento do número de buscas e apreensões e de prisões de executivos; a expertise da SDE em investigações de entidades associativas; o lançamento pelo Ministério Público de São Paulo de grupo especializado para repressão a cartéis; e a importância dos setores visados pela SDE para a economia.

Segundo o Ministério da Justiça, de 2003 a 2005, 11 mandados de busca e apreensão foram cumpridos, com a prisão de duas pessoas. Em 2006, 19 mandados cumpridos e em 2007, 84, com a prisão de 30 pessoas. Já em 2008, 93 mandados de busca e apreensão foram cumpridos e 53 prisões efetuadas. Atualmente, pelo menos três executivos já foram condenados a penas de prisão de três a cinco anos e meio e sete a penas de dois anos e meio.

Com relação às multas, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) impôs um valor total de R$ 500 milhões. Além disso, de 2003 até 2008, 12 Acordos de leniência – ocasião em que o participante de cartel confessa e delata os demais membros em troca de isenção ou redução de pena – foram celebrados.

Além disso, é importante registrar que a SDE já tem larga experiência em investigações de entidades associativas, como é o caso dos numerosos processos envolvendo entidades da área de saúde.

Pelo lado institucional, uma vez que formação de cartel também é crime, a consolidação do intercâmbio entre SDE e Ministério Público desde 2003 resultou na criação, em 8 de outubro de 2008, do primeiro Grupo de Atuação Especial de Repressão à formação de cartel e à lavagem de dinheiro e de recuperação de ativos, o Gedec, pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, mesma data em que foi instituído por decreto presidencial o Dia Nacional do Combate aos Cartéis – o que demonstra o avanço do aparato estatal e a importância dada pelo governo ao combate às práticas infrativas. Com isso, medidas de investigação como as já mencionadas, além de escutas telefônicas, devem se intensificar.

Por último, a eleição dos setores de construção civil, alimentos e combustíveis, ao que parece, segue em linha com a atual política da SDE de priorizar setores com forte impacto na economia popular, como uma maneira de contribuir para a desoneração de cadeias produtivas sensíveis aos bolsos de uma grande massa de consumidores.

A manifestação da SDE, portanto, está embasada em práticas investigativas bastante invasivas e que vêm se consolidando ao longo dos últimos seis anos. No entanto, deve-se salientar que, por relativamente recentes, ainda estão a passar pelo crivo do Poder Judiciário, que deverá analisar a legalidade e correção de alguns procedimentos adotados pelas autoridades que vêm investigando cartéis no país.

Mas o que levou a SDE a declarar que as entidades de classe são seu principal alvo?

Primeiramente, há a constatação empírica da presença frequente de entidades de classe na organização e desenvolvimento de cartéis. Zelar pelo bem-estar econômico dos associados é uma das prerrogativas legítimas de tais entidades. Individualmente, metas de produção e vendas existem e o aprendizado a partir da observação das práticas dos concorrentes reduz assimetrias e pode gerar melhores rendimentos individuais e mesmo globais. Porém, não raro, atos que extrapolam referida prerrogativa, em detrimento do poder de escolha dos consumidores, acabam sendo praticados sob esse pretexto.

Elaboração de tabelas de preços ou descontos a serem praticados pelos associados, realização de reuniões na entidade para tratar de assuntos comerciais pelos associados sem os devidos cuidados para preservação da independência concorrencial de cada empresa, realização de pesquisas para estabelecer práticas de benchmarking sem preocupação com o sigilo das informações são alguns exemplos de condutas que podem resvalar na ilegalidade.

A definição de uma conduta como ilegal do ponto de vista antitruste, no entanto, não é trivial. Atos aparentemente simples, praticáveis até mesmo rotineiramente em entidades associativas, podem gerar grandes dúvidas quanto à configuração ou não de infrações às normas concorrenciais. Havendo uma verdadeira zona cinzenta que abrange uma grande variedade de condutas, o melhor a fazer é prevenir.

Existem providências que podem ser tomadas tanto pelas entidades, quanto pelas empresas que ali se fazem representar, que se adotadas com rigor podem ser eficazes na prevenção de ilícitos antitruste, como a realização de treinamento adequado aos funcionários que participam das entidades, adoção de procedimentos específicos em reuniões para preservação da independência concorrencial dos participantes, cuidados com trocas de informações para realização de pesquisas, entre outras.

Já nos casos de investigações em andamento, tratando-se de procedimentos postos em prática de maneira relativamente recente e ainda pouco submetidos ao crivo do Poder Judiciário, é bastante importante atentar-se para a correção e a normalidade dos procedimentos usados pelos órgãos investigadores à luz do ordenamento jurídico, a fim de se afastarem eventuais arbítrios e abusos de poder.

Matéria publicada no jornal Estado de Minas, caderno Direito & Justiça