Quando só o currículo não basta


Quando só o currículo não basta


Recrutadores reconhecem que requisitos impostos pelas empresas vão além de habilidades profissionais. Peso, idade, religião influenciam, sim, nos processos seletivos. Saída é investir em qualificação quem já passou por um processo seletivo sabe o quanto a concorrência no mercado de trabalho não está fácil. São tantos requisitos, etapas e gente brigando por uma vaga que o profissional precisa seguir firme no objetivo para se manter no páreo. Não bastassem as exigências no quesito qualificação, as empresas impõem barreiras e fazem cobranças que vão além das habilidades profissionais. Embora recrutadores neguem que exista qualquer tipo de discriminação, esse é um problema que ainda assombra quem não se encaixa em padrões sociais exigidos pela maioria dos empregadores.

Que o diga Alessandra Lopes, de 24 anos. Assim que se formou, em julho deste ano, a jovem foi indicada por uma amiga para trabalhar em uma empresa de agronegócio. A surpresa veio logo na primeira reunião com o dono do estabelecimento, que se mostrou extremamente incomodado com o fato de ela ser espírita. “Ele disse ter passado por uma situação negativa com a religião, e que sentiu um frio na espinha quando afirmei ser adepta do espiritismo”, lembra. Durante o tempo em que ficou lá, Alessandra precisou contornar várias situações embaraçosas, como dizer que não era freqüentadora assídua das sessões e ouvir comentários depreciativos sobre suas convicções religiosas.

Depois de tantos problemas, Alessandra desistiu de ficar à disposição da empresa para serviços temporários. “Meu chefe chegou a pegar minha carteira de trabalho, mas não fui efetivada. Tenho certeza que minha religião influenciou”, aposta. Apesar de casos como esse serem uma constante na vida de milhares de profissionais, não há qualquer legislação trabalhista que trate das discriminações na hora da contratação. “A única coisa que pode dar respaldo judicial é a Constituição Federal e outras leis que cuidem dos direitos civis”, afirma William Bull, consultor sênior da área de capital humano da Mercer Consultoria.

Além da falta de leis, há outro empecilho no combate às exigências extraprofissionais. Assim como aconteceu com Alessandra, na maioria dos casos os contratantes não deixam transparecer as verdadeiras razões que os levam a preterir alguns candidatos. Entre os motivos mais comuns estão sexo, etnia, idade, estado civil, aparência e orientação sexual, política ou religiosa. “Hoje as empresas estão mais atentas na hora de dizer o que esperam do profissional. Como uma seleção é muito subjetiva, o candidato nunca vai saber se foi descartado por falta de capacidade ou por estar alguns quilos acima do peso”, afirma o advogado trabalhista Paulo Alves, da Azevedo Sette Advogados.

Na contramão
Mesmo com o avanço do politicamente correto nas relações de trabalho, algumas empresas não fazem a mínima questão de esconder os reais critérios de avaliação. Basta uma olhada nos classificados para encontrar vagas exigindo determinado sexo ou endereço, além do famoso currículo com foto. O pior: nem os processos seletivos para estágio escapam. “Não há motivo para uma empresa pedir currículo com foto, exceto quando se trata de uma seleção de modelos. Só consigo entender isso como discriminação, que infelizmente ainda é encontrada em toda parte do mundo”, afirma Rosemary Guide, consultora de RH do Grupo Catho.

Assim como Rosemary, profissionais de recrutamento garantem que, mesmo menores, as exigências extracurriculares persistem. “Não há muito o que fazer. Estamos aqui servindo a um cliente e queremos que ele saia satisfeito. Se ele pede que encaminhemos somente mulheres, desrespeitar as condições acabaria em desgaste para todos”, conta Mauro Machado, diretor do IF Estágio.

Para os profissionais que se desesperam com tanta cobrança por baixo dos panos, Christine Fidelis, coordenadora de RH da Spot, tem uma boa notícia. Segundo ela, é verdade que o mundo de hoje se baseia em aparências, mas acima disso ainda está o instinto capitalista do lucro. “É claro que uma empresa prefere bater recordes de faturamento ao final do ano a ter uma equipe 100% bela.” Portanto, a qualificação ainda é o melhor caminho.

Mania de perseguição
Já imaginou um homem de 1,60m de altura e 65Kg precisando erguer pesos iguais ou maiores que o seu a todo momento? E uma adventista que trabalhe em uma empresa cujo maior movimento é aos sábados? Esses exemplos mostram que há situações em que características físicas e pessoais influeciam diretamente no perfil do cargo. “Nesses casos, o profissional precisa parar com a mania de perseguição e entender que não pode ficar com a vaga”, explica William Bull, da Mercer.

Outro ponto importante defendido pelos especialistas refere-se ao quesito aparência. Como essa é uma palavra de sentido abrangente, muitas vezes é interpretada pelo lado negativo. Mas na maioria dos casos, o vocábulo quer dizer que a empresa preza por cuidados básicos com a higiene e apresentação pessoal, como barba feita, unhas cortadas e vestuário adequado. “Essa não é só uma exigência do mercado, mas da vida”, lembra Bull.

Elisângela Gonçalves, 32 anos, estava insatisfeita com o peso. No ano passado, a funcionária pública decidiu iniciar um programa de dieta que resultou na redução do manequim . “O interessante é que, logo após o fim do regime, fui promovida. Mas não acho que seja por causa da aparência, e sim porque me tornei uma pessoa mais disciplinada e autoconfiante”, acredita.

É por isso que, antes de o profissional amaldiçoar o mercado cruel que não o aceita do jeito que é, deve refletir: será que ele próprio não está sendo o pri-meiro a dar margem para esse tipo de julgamento? “No mais, não é só o mercado que escolhe o profissional. Ele também tem a liberdade de trabalhar onde quiser”, observa a Rosemary, recrutadora da Catho. “Nos casos em que a empresa se mostra intolerante, ele deve pensar se é mais fácil mudar a si próprio ou procurar uma nova chance.”

Matéria publicada no site Diário de Borborema http://db.onorteonline.com.br/