"Refis da Crise" e as Incompatibilidades e Inconstitucionalidade do Parcelamento de Débitos Tributários Vinculados a Depósito Judicial


"Refis da Crise" e as Incompatibilidades e Inconstitucionalidade do Parcelamento de Débitos Tributários Vinculados a Depósito Judicial


Em meio à euforia provocada pela edição da novel Lei nº. 11.941, de 27 de maio de 2009, fruto da conversão da Medida Provisória nº. 449/2008, que instituiu o intitulado “REFIS da Crise”, e as expectativas dos contribuintes em torno da edição do ato conjunto a que alude o parágrafo 3º 1, do seu art. 1º, algumas questões têm passado despercebidas pelos operadores do Direito e setor empresariado, a despeito de merecerem o seu devido lugar de destaque.

Menciona-se, aqui, a redação do art. 10 e do seu parágrafo único 2 acrescentado à referida Lei, que disciplinam a maneira de o Fisco apropriar-se dos depósitos judiciais (ou extrajudiciais) realizados pelos contribuintes, nos casos em que estes fizerem a opção pelo pagamento à vista ou parcelamento dos débitos tributários vinculados aqueles depósitos.

Da leitura dos sobreditos dispositivos legais, é possível que se depreenda pelo menos duas – e aparentemente contraditórias – interpretações acerca da aplicação das regras neles contidas, deixando, assim, um ambiente de insegurança que já se reflete nas ações judiciais em curso.

Explique-se: enquanto o caput do art. 10 determina que, numa eventual opção pelo “REFIS da Crise”, se proceda, automaticamente, à conversão em renda da União dos valores depositados em conta judicial, e que as reduções (da multa de mora e de ofício, dos juros moratórios ou dos encargos legais) somente se apliquem sobre o débito remanescente; do seu parágrafo único é permitida outra leitura, esta favorável aos interesses dos contribuintes, no sentido de que primeiro deve-se computar o valor do débito com o cálculo das reduções previstas na Lei, autorizando-se, posteriormente, o levantamento pelo sujeito passivo dos valores por ele depositados, excedentes ao seu débito.

E essa contradição tem sido admitida oficialmente. O Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, ao pronunciar sobre o tema, assinala que a primeira das interpretações seria a correta, isto é, que a apropriação dos depósitos judiciais deve ocorrer sem a redução do principal, muito embora reconheça que o parágrafo único dá ensejo a interpretação em contrário.

Não obstante a este impasse, entende-se que a análise do artigo 10 da Lei nº. 11.941/2009 não se restringe à constatação das contradições dessa norma, se é que existentes. Por isso, diz-se, linhas atrás, que tais incoerências são apenas aparentes, porquanto a interpretação a ser empregada ao parágrafo único e que o compatibilize com o caput, deve ser aquela que busque o real sentido da expressão “após a consolidação de que trata esta Lei”.

Neste aspecto é inegável que a Lei nº. 11.941/2009, ao empregar o vocábulo “consolidação” – parágrafo 6º do art. 1º, por exemplo – reporta-se ao montante do débito, acrescido de multa de mora e de ofício, dos juros moratórios e dos encargos legais antes das deduções, ou seja, a apuração do montante passível de reduções ou do valor atualizado do débito na data em que o contribuinte fizer a opção pelo parcelamento.

Superado, então, o problema dos equívocos de interpretação, voltemos nossos olhares à incompatibilidade do artigo 10, caput e parágrafo único, aos próprios objetivos traçados pelo legislador com a promulgação da Lei nº. 11.941/2009, bem assim de sua inconstitucionalidade em face da regra de isonomia, inscrita no inscrita no inciso II, do art. 150 da Constituição Federal.

Diz-se incompatível à medida que o art. 1º, parágrafo 2º, da citada Lei, ao prescrever quais os débitos são passíveis de serem incluídos no parcelamento, estabelece que a opção pelo “REFIS da Crise” permite aos contribuintes a quitação ou parcelamento dos débitos tributários federais vencidos “até 30 de novembro de 2008, consolidadas pelo sujeito passivo, com exigibilidade suspensa ou não (…)”, sobre os quais devem ser aplicados os já mencionados benefícios de redução, indistintamente.

Vale dizer: aplicam-se as regras do parcelamento inclusive àquelas dívidas cuja suspensão de sua exigibilidade se deu em razão do depósito de seu montante integral, nos termos do art. 151, inciso I, do CTN. Com efeito, tem-se que a distinção pretendida pelo artigo 10 da Lei nº. 11.941/2009 e que a PGFN sinaliza no sentido de confirmá-la através da portaria conjunta que esta por vir, subtrai direito legítimo dos contribuintes, concernente à opção pelo “REFIS da Crise” valendo-se das reduções nele previstas.

Neste contexto, de se destacar, ainda, o absurdo da redação do dispositivo em comento, eis que o próprio art. 10, caput, deixa claro que os depósitos judiciais vinculados aos débitos serão “pagos ou parcelados nos termos desta Lei”, ou seja, com as reduções nela previstas. E mais, a existência de depósito significa a quitação – ainda que parcial – do débito, enquanto sua ausência poderá, no futuro, implicar num eventual descumprimento do acordo de parcelamento firmado entre Fisco e contribuinte.

Do contrário, estar-se-ia atribuindo tratamento diferenciado a uma parcela de contribuintes que, de boa-fé, realizam o depósito judicial como garantia do débito e, assim, ingressam no Poder Judiciário para discussão da respectiva dívida tributária, daqueles que optam por não pagar sua dívida e sequer garanti-la, o que traduz clara ofensa aos princípios da igualdade e isonomia tributária.

Ao que tudo indica o Governo Federal 3 não irá abrir mão da integralidade dos depósitos judiciais já vinculados a débitos tributários, que, na posição de março do ano corrente, perfazia o montante de R$ 72 bilhões em favor União, segundo informações do Procurador-Geral da Fazenda Nacional. É dizer que aos contribuintes não restará outra alternativa senão a discussão judicial de seu legítimo direito.

1 “Art. 1º (omissis)
3º Observado o disposto no art. 3o desta Lei e os requisitos e as condições estabelecidos em ato conjunto do Procurador-Geral da Fazenda Nacional e do Secretário da Receita Federal do Brasil, a ser editado no prazo de 60 (sessenta) dias a partir da data de publicação desta Lei, os débitos que não foram objeto de parcelamentos anteriores a que se refere este artigo poderão ser pagos ou parcelados da seguinte forma:”.

2 A MP nº. 449/2008, em sua redação original, não contemplava a previsão do parágrafo único, que foi acrescentado quando da edição da Lei nº. 11.491, senão veja-se:
“Art. 10. Os depósitos existentes, vinculados aos débitos a serem pagos ou parcelados nos termos desta Lei, serão automaticamente convertidos em renda da União, aplicando-se as reduções para pagamento a vista ou parcelamento, sobre o saldo remanescente.
Parágrafo único. Na hipótese em que o valor depositado exceda o valor do débito após a consolidação de que trata esta Lei, o saldo remanescente será levantado pelo sujeito passivo.”

3 Situação a ser definida ainda nesse mês de julho, com a edição do ato conjunto do Procurador-Geral da Fazenda Nacional e do Secretário da Receita Federal do Brasil, que disciplinará as condições para adesão ao parcelamento.