Resolução do Coaf obriga setor imobiliário a denunciar “operações suspeitas”


Resolução do Coaf obriga setor imobiliário a denunciar “operações suspeitas”


A partir desta sexta-feira (24/11) entra em vigor a Resolução nº 14/2006 do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que cria novas obrigações para o setor imobiliário. A medida visa fiscalizar eventuais transações imobiliárias suspeitas.

Para tanto, as empresas do segmento devem informar ao órgão suas operações financeiras com valor superior a R$ 100 mil. A resolução determina ainda que, nos casos em que a empresa suspeitar que exista dinheiro ilegal envolvido na negociação imobiliária, deverá no prazo de 24 horas informar ao Coaf da suspeita.

As medidas devem ser cumpridas por construtoras, incorporadoras, imobiliárias, loteadoras, leiloeiras de imóveis, administradoras de bens imóveis e cooperativas habitacionais que devem se cadastrar no Coaf e fornecer a qualificação de todos os seus clientes e das operações realizadas com a compra e venda de imóveis.

Conforme disposto no artigo 7º da resolução, as empresas devem dispensar “especial atenção às operações ou propostas que possam constituir-se em indícios dos crimes previstos na lei 9.613, de 1998, ou com eles relacionarem-se”. O artigo 8º completa que as empresas deverão comunicar ao Coaf, no prazo de 24 horas, a proposta ou a realização de transações (suspeitas), deixando de dar ciência aos clientes de tal ato.

Última Instância ouviu executivos ligados ao setor e advogados. Embora todos reconheçam como importante as atividades do Coaf, e o combate à corrupção e ao dinheiro ilícito, avaliam que as empresas do segmento terão dificuldades para aplicar a nova resolução.

João Crestana, vice-presidente de incorporação imobiliária do Secovi (Sindicato da Habitação), considera “positivas as iniciativas que visam combater o uso de dinheiro ilegal”, mas argumenta que as diferenças entre os perfis dos profissionais do setor imobiliário e do Coaf podem ser um obstáculo ao cumprimento da resolução.

“O Secovi sempre apóia medidas que buscam mais legalidade e formalidade paras as atividades do setor”, afirma. “Os profissionais do Coaf são funcionários públicos altamente treinados para investigar a prática destes delitos. Já o setor imobiliário reflete um amplo universo e pulverizado, cujos profissionais não estão capacitados para no prazo de 24 horas avaliar o que seja a uma operação suspeita.”

No mesmo sentido é a opinião do advogado, Leonardo Pantaleão professor de direito civil do Complexo Damásio de Jesus. “Com essa resolução, o poder público transfere para o particular uma responsabilidade de investigação que na origem é do próprio governo. De que forma o particular deve agir, como pode desconfiar ou não de determinada conduta? Como ele pode avaliar se na transação está envolvido dinheiro ilícito ou não?”, questiona.

Para Pantaleão, a situação piora se a denúncia depois se demonstrar equivocada. “Recebida a denúncia, o Coaf fará uma investigação pesada na vida da pessoa, quebrará o sigilo fiscal, bancário e telefônico [dela]. Se depois a denúncia se mostrar descabida, quem indenizará os prejuízos sofridos por ela?”, diz.
A avaliação também é partilhada por Sérgio Ros, diretor comercial da Construtora Tarjab, e pelo advogado especializado em direito imobiliário Rodrigo Badaró de Castro sócio do escritório Azevedo Sette Advogados.

Na opinião de Ros, a exigência cria uma restrição que terá impacto ruim no mercado. “O governo, ao invés de fazer o seu papel, quer que a sociedade faça o papel do governo. Está é uma inversão total de valores”, afirma. “Suspeitar ou não de uma pessoa é um critério muito subjetivo. O setor não tem hoje capacidade para absorver essa responsabilidade de denunciar.”

Castro parabeniza o Coaf por sua atuação, “pois tem realizado um belo trabalho de combate à lavagem de dinheiro e merece elogios”, mas diz ser “necessário que as medidas e consequências desta resolução sejam melhor detalhadas e explicadas para as empresas que atuam no ramo”. O especialista destaca que “a aferição destes critérios para se saber se estamos diante da prática de um crime de lavagem de dinheiro são subjetivos, é complicado a empresa em contato com o cliente avaliar em 24 horas a capacidade financeira do provável adquirente de um imóvel”.

Penalidade
De acordo com o artigo 13 da resolução, as empresas, bem como aos seus administradores, que deixarem de cumprir as novas obrigações, sofrerão cumulativamente ou não as sanções previstas no artigo 12 da lei 9.613/1998.

A regra prevê as seguintes sanções: advertência, multa pecuniária variável, de 1% até o dobro do valor da operação, ou até 200% do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação, ou, ainda, multa de até R$ 200 mil. A norma fixa a possibilidade de cassação da autorização de funcionamento e até de suspensão das atividades pelo prazo de até dez anos.

Por essa razão, Badaró defende que deve ser feita uma organização de procedimentos para que as empresas possam prestar suas informações com segurança e “não venham a ser penalizadas por falta de informação, ou descumprimento involuntário”. “As penalidades que poderão ser aplicadas podem levar ao fim da empresa, seja pela questão de paralisar seu funcionamento, ou mesmo, a aplicação de uma pesada multa”, afirma.

Matéria publicada na Revista Jurídica Última Instância de 24 de novembro de 2006.