Nossa Opinião
Limpar gavetas
Depois de mais de uma década de tramitação no Congresso, a reforma do Judiciário enfim começou a ser aprovada a partir do final de 2004. O conjunto de alterações na Constituição e de projetos de lei visa a atingir objetivos perseguidos há tempos: uma Justiça mais rápida, mais próxima da grande maioria da população e barata.
Para acelerar o julgamento dos processos, uma das mudanças mais importantes incluídas na reforma é a instituição da súmula vinculante.
Em linhas gerais, trata-se de decisão tomada por pelo menos oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal sobre tema levado sucessivamente à Justiça. Emitida uma súmula, todas as demais Instâncias do Poder Judiciário passarão a segui-la, evitando que milhares de processos continuem de tribunal a tribunal, recurso a recurso, até chegarem a um já assoberbado STF.
Sancionada terça-feira pelo presidente Lula, a lei da súmula vinculante terá o poder de esvaziar gavetas e prateleiras nos tribunais.
O ministro do Supremo Gilmar Mendes, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, deu um exemplo concreto: há 7 mil ações só para reclamar do INSS a correção do valor de pensões por morte que haviam sido concedidas até 1995. Para casos como este será usado o mecanismo da súmula: baixada pelo STF, todos os milhares de processos lá podem ser julgados de maneira uniforme pelos juizes de instâncias inferiores.
Ao desafogar os tribunais, inclusive o STF, a súmula liberará o Supremo para ele tratar do que deve: deliberar sobre a aplicação da Constituição e de temas de alcance nacional.
Para isso, especificamente, há outra lei, também sancionada na terça, que dá poderes ao Supremo para, por quatro votos, decidir se a Corte aceitará os processos que lhe são encaminhados. Ao todo, são cem mil por ano.
É por Isso que, segundo o ministro Gilmar Mendes, o STF leva, em média, de 12 a 14 anos para julgar um caso que venha da primeira Instância.
Súmula vem para melhorar a atuação de todos os tribunais.
Contradição
A emenda constitucional no45/04 aprovada pelo Congresso Nacional instituiu a denominada súmula vinculante no nosso ordenamento jurídico. Sob os aplausos de alguns juristas e magistrados dos tribunais superiores e críticas ferrenhas da maioria dos advogados e juízes de primeiro grau, a súmula vinculante, gostemos ou não, tornou-se uma realidade.
Não é nenhum segredo que a emenda constitucional da súmula teve como fonte inspiradora a regra do stare decisis et quieta muovere do direito anglo-saxônico. Entretanto, na “Common Law”, ao contrário do sistema de inspiração romana adotado no Brasil, o vínculo aos precedentes se dá em função dos fundamentos da decisão e não de sua mera conclusão, que é a forma como estamos instituindo a súmula vinculante.
O enunciado de uma súmula de jurisprudência na forma atual e das súmulas vinculantes será sempre um resumo de uma orientação, e reside exatamente nesta questão evitar que esta vinculação a uma conclusão iniba o dever da Justiça de interpretar a lei, que é a base do sistema legal do nosso Judiciário.
Reside neste ponto, portanto, uma contradição que deve ser analisada e enfrentada para que seja evitado um problema maior. Imaginem que os juízes de primeiro grau decidam constantemente, como lhes é facultado, contra a súmula vinculante, interpretando a lei e o caso concreto dentro do seu livre convencimento. Estaremos criando, assim, mais possibilidades de recursos pelas partes, possíveis apelos, reclamações e juízos de admissibilidade.
A idéia da súmula não é de todo ruim, mas a forma proposta parece ser um tanto limitada, sem um estudo de implantação eficiente e de caráter obviamente contraditório às regras jurídicas interpretativas e normativas que adotamos desde nosso descobrimento. De qualquer forma, como nossa meta maior e dever é tornar o Judiciário um poder que atenda de fato às disputas que são encaminhadas pela sociedade de forma mais ágil, justa e eficiente, devemos estabelecer elementos para que esta nova regra cumpra seu papel, dentro de um dos princípios que norteiam nossa função, o da razoabilidade.
Nota Publicada no Jornal O Globo