Terra de Gigantes


A única coisa segurando o mercado das PPP no Brasil é o atraso governamental, diz Rodrigo Amaral.

Em fevereiro o governo de Minas Gerais, um dos estados mais prósperos do Brasil, lançou um projeto para levantar seis novas unidades para proporcionar serviços públicos para a comunidade. Uma particularidade da iniciativa é que companhias privadas vão construir as unidades, gerenciando-as e fornecendo os serviços públicos – o que não é, por diversas razões, projeto comum no Brasil. Mas essa não é a primeira vez que o governo desse estado tem em vista parcerias público-privadas. No ano passado, já havia delegado para uma companhia privada a renovação, manutenção e operação da MG-050, uma das principais estradas do estado, em um contrato de 25 anos. Outros 7000 km de estradas podem ser arrumados por esse processo.

Mais parcerias estão em vista em Minas Gerais. Um projeto para a construção de duas novas prisões está em fase de consulta púbica. As PPPs serão responsáveis por planejar a construção de um sofisticado complexo que irá hospedar 17 secretarias do governo de Minas Gerais, e de um novo campus para a principal universidade pública da região. “Nós temos planos de usar PPPs, no futuro, no metrô, no tratamento de esgotos e em projetos de saúde também,” diz Marco Aurélio de Barcelos, o diretor do projeto da unidade da PPP do governo de Minas Gerais.

  • Boas notícias

As palavras de Barcelos são boas notícias para as companhias que estavam esperando o mercado de PPP finalmente decolar no Brasil.

Em diversos aspectos, o gigante da América do Sul tem o necessário para gerar bons negócios. O Brasil tem apresentado bons índices de crescimento nos últimos anos e sua economia prosperou desde então. Mas o país ainda sofre com as deficiências na infra-estrutura, o que ameaça o seu desenvolvimento. “Nós precisamos de investimentos anuais de ao menos 5 % do PIB do Brasil para cobrir nossa demanda em infra-estrutura”, observa José de Freitas Mascarenhas, o vice-presidente da CNI, representante no Brasil da Confederação Nacional de Indústrias. “Mas nós estamos investindo apenas 2 % do PIB”.

A CNI está em busca de advogados freqüentemente usados por parcerias para conseguirem melhorar a infra-estrutura brasileira, já que o estado não tem condições financeiras para fazer isso sozinho. Investimentos são requeridos em todo lugar, comenta Mascarenhas. Estradas ao redor do país precisam ser reparadas. Especialistas apóiam a extensão das estradas do país e a melhoria dos portos – e nem vamos comentar a caótica situação dos aeroportos e do sistema de controle aéreo. Os tratamentos de esgoto e de lixo são precários em várias regiões do país, e as redes públicas de escolas e hospitais precisam de auxílio urgente. Então, certamente, há diversas oportunidades para as companhias com especialidades em PPPs.

No entanto, enquanto há toda essa empolgação acerca das PPPs, o mercado brasileiro não mostra o mesmo. O governo central começou a convidar companhias privadas, para ajudar na melhoria das estradas do país, nos anos 1990. Mas simples concessões, nas quais todos os riscos são transferidos para o setor privado e que não são classificadas como PPPs no Brasil, têm sido o modelo de aquisição quando há justamente o envolvimento de companhias privadas. Isso significa que apenas uma pequena parte das estradas – como da principal ligação entre o Rio de Janeiro e São Paulo, as duas maiores cidades do Brasil – resultam dos investimentos do setor privado. Outros tipos de projetos, desde a ativação de outras estradas até a construção de escola e hospitais, foram deixados para trás.

Uma lei aprovada em 2004 tentou mudar esse padrão de concessões, tornando as PPPs mais atrativas para os setores públicos e privados. Por enquanto sabe-se que uma das razões de as companhias privadas estarem cautelosas em entrar nesse esquema é o medo de que a mudança no governo, a nível federal ou regional, possa representar um fim precoce de um longo projeto, já que os governantes recém-eleitos do Brasil não são conhecidos por abraçarem idéias propostas pelos governantes anteriores. A nova lei criou garantias para que os governantes se sintam menos tentados a agir de forma imprudente. Uma das alternativas oferecidas foi a criação de entidades privadas que comandem fundos, responsáveis por lidar com as conseqüências financeiras de uma possível quebra de contrato.

Como resultado, o governo federal levantou um fundo formado pela quantia de R$ 6 bilhões para agir como uma garantia para as PPPs. Se os contratos não forem respeitados, o fundo deve pagar a parceira privada. São Paulo, o estado mais rico do país, com o mesmo objetivo também criou uma companhia, CPP, com bens de mais de R$1 bilhão. Minas Gerais ligou suas garantias a reservas gigantes de nióbio, mineral extraído pela Codemig, uma companhia estatal.

Especialistas acreditam que, graças a medidas como essa, o ambiente se torne mais favorável a novas parcerias. Certamente esse parece ser o caso de governos estaduais e municipais, que vêem adotando uma atitude mais ousada com relação a elas. Minas Gerais é um desses estados, assim como são Paulo. Planos também têm sido desenvolvidos pelos governos de Pernambuco, Bahia e outros. As cidades, pequenas e grandes, também estão lançando alguns planos por conta própria.

Mauricio Endo, sócio e especialista em PPP da KPMG no Brasil, estima que seis planos já foram assinados desde a aprovação da lei em 2004: três para o tratamento de esgotos, dois para renovar estradas e um para expandir a rede metroviária de São Paulo. Muitos outros estão em andamento. O que não é ruim, em sua opinião, considerando que a nova lei está em vigor por pouco mais três anos e que projetos de PPPs sempre vão demorar a se tornarem realidade, especialmente com o fato de os governantes ainda estarem se adaptando a eles.

  • Contenha seu entusiasmo

Mas o progresso do mercado tem sido atrasado devido, discutivelmente, a uma falta de entusiasmo do governo federal. Aliás, qualquer ação dificilmente foi aceita antes de passar pela legislação de 2004. “No entanto, alguns governos criaram suas próprias regras para as PPPs antes disso, o mercado estava esperando o governo central ter a legislação definida”, aponta Gustavo Eugênio Maciel Rocha, o coordenador do departamento de PPP do escritório de advocacio Azevedo Sette Advogados. Isso porque havia o medo de que as leis estatais pudessem se tornar inválidas pelo governo federal.

Hoje, mesmo com um ambiente adequado legalmente, os sinais vindos de Brasília não são os mais promissores. Ano passado o governo central lançou um pacote multibilionário de investimentos em infra-estrutura, e as PPPs foram ressaltadas por sua ausência. Algumas pessoas argumentam que o governo concluiu que os projetos incluídos no pacote não eram aceitáveis para as parcerias, como simples concessões. Mas ficam suspeitas de que o presidente Luis Inácio Lula da Silva e seu partido, PT, continuam resistentes a acordos com o setor privado. Mesmo assim, ao menos no âmbito federal, alguns projetos têm sido discutidos, incluindo a elevação da velocidade do trem que ligaria São Paulo e Rio de Janeiro.

Como regra, o mercado espera que as PPPs sejam mais amplamente usadas. Se esse for o caso, o Brasil tem fortes companhias em indústrias de construção e transporte e elas vão, certamente, estar bem posicionadas para tirar vantagem das novas oportunidades. Mas a expectativa é essa, com o desenvolvimento da indústria, novos concorrentes internacionais vão entrar no mercado, trazendo para o país experiência e competição. Companhias espanholas, que têm longa experiência em PPPs na Espanha e no exterior e em fazer negócios na América Latina, são claramente as que possuem melhores chances competitivas e já possuem grande presença nas concessões de estradas. Mas pesquisas dizem que outras empresas estrangeiras têm mostrado interesse nesse mercado também. Apesar de não ser surpreendente, considerando a trajetória das PPPs no país até aqui, cautela continua sendo a melhor palavra para definir a maneira como essas empresas estão se inserindo no mercado; e a melhor maneira de se fazer isso pode ser através de alianças com companhias locais. Isso é o que a French RATP Développement e a Argentine Benito Roggio Tranportes fizeram para ganhar R$ 2,68 bilhões – valor do contrato para construir e expandir a nova linha do metrô de São Paulo.

www.pppbulletin.com

Reportagem publicada na revista londrina PPP Bulletin, 05 de março de 2008