TJSP julga indevido uso de informações de cartões pelo fisco


TJSP julga indevido uso de informações de cartões pelo fisco


Laura Ignacio

O uso de informações obtidas de administradoras de cartões de débito e crédito pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para constituir créditos tributários sem prévia ordem judicial foi julgado indevido pela Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). O caso começou no fim de 2007, durante a Operação Cartão Vermelho, em que a Fazenda paulista notificou milhares de estabelecimentos após cruzar informações fiscais das empresas com a base de dados fornecida pelas administradoras de cartões.

De acordo com um levantamento da Fazenda de São Paulo na época, mais de 93.600 empresas, que em 2006 declararam ao fisco operações de aproximadamente R$ 11,2 bilhões, foram notificadas. As administradoras de cartão informaram à Fazenda que, no mesmo período, repassaram R$ 24,2 bilhões relativos a vendas para esses estabelecimentos. Assim, haveria indícios de sonegação fiscal de R$ 1,5 bilhão em 2006. Por nota, a Fazenda informou que não está descartada a possibilidade de serem reeditadas novas rodadas da Operação Cartão Vermelho, com acionamentos em massa e específicos para as diferenças entre os valores declarados ao fisco e os informados pelas administradoras de cartões, agora já com os dados das divergências dos anos de 2007 e 2008.

A Fazenda defende que o cruzamento de dados é uma importante ferramenta para o planejamento e desenvolvimento dos trabalhos de fiscalização estadual e argumenta que a legitimidade do uso das informações fornecidas por administradoras de cartões é garantida pela Lei nº 12.294, de 6 de março de 2006, do Estado de São Paulo, que obriga essas empresas a prestarem informações à Fazenda, sob pena de embaraço à fiscalização. Após a notificação, a Fazenda concede um prazo de cinco dias para a empresa explicar as eventuais diferenças ou é autuada.

“Nesse prazo, nenhuma empresa consegue fazer esse tipo de levantamento”, afirma o advogado Périsson Lopes de Andrade, da empresa NewTrust Consultoria Empresarial, que obteve a decisão do TJSP para sua cliente, uma empresa de varejo da capital paulista. “A notificação informava a meu cliente apenas dados das movimentações mês a mês e não abria a informação fiscal integral”, explica. Comerciantes de todos os portes foram fiscalizados na operação, segundo Andrade. Ele diz que, no fim do ano passado, um franqueador com 26 pontos de venda o procurou por ter sido notificado. O advogado acompanha outros quatro casos ainda em fase administrativa, dois que tiveram liminares negadas e um outro que aguarda uma decisão judicial.

No caso da empresa de varejo, a decisão do TJSP foi dada por dois votos a favor e um contra. Para Andrade, o julgamento é relevante porque abordou a questão do sigilo bancário e da prova obtida de forma ilícita. No processo, o advogado argumentou que há precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que entendem que as administradoras de cartões não devem ser obrigadas a fornecer esse tipo de informação sem autorização judicial.

Um novo precedente envolvendo a questão do sigilo pode ser aberto em breve no Supremo. Depois que a CPMF foi abolida, a Receita Federal do Brasil perdeu um de seus instrumentos de controle e lançou mão da Instrução Normativa nº 802, de 2007, que impõe que as movimentações financeiras semestrais de empresas, acima de R$ 10 mil devem ser informadas ao fisco pelas instituições financeiras. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a norma e a instrução deve ser analisada pelo Supremo. “A decisão será importante porque o tema de fundo é o mesmo”, diz Andrade. O advogado, no entanto, argumenta que o Supremo já declarou a nulidade do processo administrativo quando a constituição do débito se deu com base em uma prova obtida de forma ilícita por não ter autorização judicial.

O tributarista Heleno Taveira Torres, professor da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o Decreto nº 4.489, de 2002, que regulamenta a Lei Complementar nº 105, de 2001, só autoriza a União a cruzar dados de administradoras de cartões com dados fiscais. Com base na aplicação da Lei Complementar nº 105, desde 2003 a Receita obtém informações sobre os montantes globais movimentados por operações feitas com cartão de crédito por meio da Declaração de Operações com Cartões de Crédito (Decred). “Estados e municípios só poderão examinar documentos de instituições financeiras quando houver um processo administrativo fiscal instaurado ou um processo judicial em curso”, diz. Esses casos, segundo ele, são regulamentados pelo Decreto nº 3.724, de 2001.

Nem todos os Estados possuem leis que prevêem o envio de dados ao fisco pelas empresas de cartões. Em Pernambuco, segundo o advogado Gustavo Ventura, presidente da comissão de assuntos tributários da OAB-PE, o Decreto estadual nº 23.669, de 2001 – elaborado com fundamento na Lei Complementar nº 105 -, permite a verificação de informações sobre operações com cartões de crédito de empresas em que a fiscalização constatou indícios de ilegalidade. Já em Minas Gerais, com a entrada em vigor do Decreto estadual nº 44.754, de 14 março de 2008, as administradoras de cartões passaram a ser obrigadas a colocar mensalmente à disposição da Fazenda todos os pagamentos registrados no sistema. A informação é da advogada Leandra Guimarães, do escritório Azevedo Sette Advogados e Consultoria Tributária, que acredita que só não há ações de contribuintes contra o fisco até agora pelo fato de a lei ser muito recente. “O lançamento de imposto não pode ser feito com base em mero indício e já há jurisprudência da Justiça federal que garante isso”, diz.

Notícia publicada no Valor Econômico, 24 de novembro de 2008