Um calote oficial de R$ 62 bilhões


Um calote oficial de R$ 62 bilhões


Fomos criados e formamos nosso caráter guiados e estimulados por bons exemplos. Com isso, buscamos trilhar a estrada profissional, pessoal e moral com base nos valores da honra e da dignidade. Lamentavelmente, o Estado, que deveria servir naturalmente como exemplo a ser seguido intrinsecamente, é o principal fator de desestímulo ao cumprimento desses valores, a exemplo do que ocorre com a tentativa de se impor ao país um novo calote, por meio da PEC 12/2006.

O que está em curso é mais uma tentativa do Estado de não cumprir suas obrigações — um calote oficial. Há uma dívida em precatórios de R$ 62 bilhões que atinge cidadãos que lutaram anos na Justiça e ganharam. Mas eles, certamente, não irão receber, principalmente se for aprovado o projeto pelo qual credores de precatórios poderão levar até 50 anos para resgatar seu crédito.

O ponto crucial do projeto é o desejo de quebrar a ordem cronológica constitucional para o pagamento dos precatórios. O pagamento de precatórios seria fixado em 3% das despesas primárias líquidas do ano anterior nos estados e 1,5% nos municípios. Desse valor, 70% seriam direcionados a credores habilitados em leilão, em que o maior deságio prevaleceria na ordem de preferência, sendo os 30% restantes direcionados para precatórios alimentícios e de pequena monta, pagos na ordem crescente de valores.

Trata-se de nova tentativa de lesão ao direito dos credores, registrado na Emenda Constitucional número 30, quando os entes públicos ganharam o privilégio de pagar em 10 anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, suas dívidas e obrigações.

Por absurdo, notamos a total assimetria que nós, contribuintes, vivemos, pois é sabido que somos vorazmente compelidos a pagar impostos e rigorosamente punidos em caso de descumprimento. Sem falar nas exigências às empresas para quitação integral de todos os seus impostos.

É certo que ao Legislativo cabe impor leis que busquem a igualdade social e ajustes na conduta e manutenção do Estado. Todavia, lembramos Rui Barbosa que, profetizando, dizia: “No Brasil, a lei se deslegitima, anula e torna inexistente, não só pela bastardia da origem, se não pelos horrores da aplicação.” Notamos que o projeto tenta, em sua origem, aliviar a obrigação do Estado em detrimento de milhões de pessoas que honram seus deveres, acreditando em exemplos que deveriam advir do Estado e que serão apenadas na aplicação da norma.

Os advogados, legítimos operadores do direito e protagonistas na obtenção da vitória judicial geradora dos precatórios, devem se mobilizar no intuito de se buscar, por mais penoso que seja, uma forma menos traumática ao cidadão. Muitos podem achar que seria utópico uma solução nesse sentido, contudo, o que não se pode é fugir do dever de buscar alternativas menos lesivas aos cidadãos sem a quebra do Estado.

Rodrigo Badaró de Castro