Varig ganhou tempo para se reestruturar, mas ainda não está livre das ameaças dos credores


Varig ganhou tempo para se reestruturar, mas ainda não está livre das ameaças dos credores


O Dia 22 de novembro poderá ficar na história da aviação brasileira – para o bem ou para o mal. Esta é a data-limite para a Justiça dizer se a Varig vai à falência ou ganha uma segunda chance. O tempo começou a correr na quarta-feira, quando foi aceito o pedido de recuperação judicial (como é chamada a nova lei de falências) da companhia. O presidente do Conselho de Administração da empresa, David Zylbersztajn, terá apenas seis meses para elaborar um plano de recuperação consistente e convencer os credores de que há uma solução sustentável e de longo prazo para uma Varig completamente asfixiada, com dívidas de R$ 9 bilhões. Se 51% dos credores concordarem com a proposta, ela ganhará a chance de negociar como e quando vai pagar o que deve. Caso contrário, a falência será decretada. No meio do caminho, mesmo fazendo um bom trabalho, a companhia ainda corre o risco de perder os aviões. A novela Varig, agora, tem prazo de validade.

Há duas formas de encarar esse episódio. O lado bom é que a nova lei de falências deixa a Varig mais protegida dos credores. Durante seis meses, a empresa fica dispensada de honrar as dívidas do passado. Nesse período, ela paga apenas os compromissos do dia-a-dia. “A empresa é viável, mas carrega uma bota de chumbo que são as dívidas”, diz David Zylbersztajn. Segundo o advogado Daltro Borges, do escritório Sérgio Bermudes, o processo de recuperação judicial também coloca fim às negociações paralelas. Todo e qualquer acordo nesse período deve ser decidido por maioria com o aval do Judiciário numa assembléia de credores.

O problema é que a recuperação na Justiça está longe de ser sua tábua de salvação. A maior ameaça à sobrevivência da companhia virá das empresas de leasing de aviões. A Varig não está totalmente blindada em relação a esse tipo de credor. Para um grande escritório de advocacia de São Paulo, o artigo da lei que impede a retirada do bem de capital essencial à manutenção da atividade do devedor não se aplica ao caso específico de leasing de aeronaves. Se interpretado assim, os aviões poderiam ser tomados a qualquer hora. Ordélio Sette, dono do escritório Azevedo Sette Advogados, discorda. Segundo ele, pelo Código Civil, um bem de transporte público não pode ser alvo de busca e apreensão por meio de liminar. “A decisão só ocorre num julgamento definitivo”, explica Sette. A Transbrasil foi minguando assim, perdia aviões porque não pagava as empresas de leasing. Resta saber se a Varig, agora protegida pela nova lei, terá o mesmo tratamento.

A solução emergencial foi uma liminar para impedir a retomada dos aviões – a americana ILFC ameaçou tomar 11 aeronaves um dia antes do pedido de recuperação. Mas isso não garante segurança. As empresas de leasing passaram a semana passada discutindo com seus advogados no Brasil sobre as medidas que vão tomar. Elas acreditam que têm amparo na lei. E estão dispostas a tomar os aviões, a não ser que parte da dívida de R$ 335 milhões seja paga. Zylbersztajn tem se mostrado otimista. Disse que terá uma conversa na primeira semana de agosto com investidores americanos especializados em injetar dinheiro em empresas em recuperação. “É possível pegar dinheiro com esses fundos, mas ele não pode demorar. As empresas de leasing têm pressa”, diz um advogado que cuida dos interesses de três credores.

O fator tempo é crucial em processos desse gênero. No caso da Varig, isso é mais grave. Ela entrou com o pedido na Justiça sem ao menos ter elaborado um plano de recuperação, o que é considerado arriscado por especialistas em falência. “Como o tempo é curto, o ideal é que os credores já conheçam esse plano antes”, afirma Eduardo Farhat, diretor de Reestruturação de Empresas da KPMG. A tentativa desesperada de salvar a Varig pegou todos os credores de surpresa. “Foi uma estratégia coordenada que impediu o arresto dos aviões. Se a Varig não fizesse isso, ficaria insolvente”, acredita Raul Iberê, da consultoria tributária Global Leges.

Os demais credores da Varig – governo, empresas estatais e General Eletric – estão aparentemente sob controle. A companhia se diz confiante no acerto de contas com o governo. Ela espera descontar os mais de R$ 3 bilhões que deve à União de uma indenização pelas perdas provocadas pelo congelamento tarifário entre 1985 e 1991. “O governo vai perder. A Transbrasil já ganhou a mesma causa no Supremo”, aposta Zylbersztajn. “O governo dificilmente receberia esse dinheiro. O acordo limpa a pendência e o balanço da Varig”. Ele usa o mesmo raciocínio para garantir o apoio da BR Distribuidora e da Infraero.

“A BR não vai querer perder um cliente como a Varig. A empresa consome R$ 600 milhões em combustível por ano”, diz o presidente. Na Infraero, já se cogita pedir dinheiro ao Ministério da Fazenda ou aumentar a tarifa aeroportuária como forma de compensar as perdas de seu maior cliente. A estatal deixará de receber R$ 6 milhões por mês por conta do congelamento de uma dívida de R$ 180 milhões. O crédito da GE estava em R$ 311 milhões em março, com vencimento em dezembro de 2009. Com o pedido de recuperação, ela também deixará de receber os pagamentos mensais.

“Nossa situação é menos crítica, porque não temos mais aviões com a Varig. Mas a GE trata cada centavo com muito respeito”, diz Alexandre Silva, presidente da GE para a América Latina. “Vamos ficar quietos por enquanto. Queremos entender a situação jurídica, que é muito nova”. Na Varig, ninguém vai dormir tranqüilo até 22 de novembro.

Luz no fim do túnel – David Zylbersztajn está otimista com o futuro da companhia aéra

  • Época: A TAP desistiu do negócio?
  • David Zylbersztajn: Não houve recuo, mas a proposta perdeu a lógica diante dos fatos. O acordo começou a malograr quando percebemos que algumas das premissas não seriam atendidas. O encontro de contas com o governo (a Varig pediu indenização à União pelas perdas causadas pelo congelamento tarifário entre 1985 e 1991) se mostrou inviável e foi um dos motivos para entrarmos na nova lei de falências. O governo quer ajudar, mas existem limites legais. Só o acordo para acerto de contas pode levar dez meses.
  • Época: Quais são as perspectivas em relação ao acerto de contas?
  • Zylbersztajn: O governo vai perder, é líquido e certo. A Transbrasil já ganhou a mesma causa. O governo dificilmente receberia. O acordo limpa a pendência e o balanço da Varig.
  • Época: Apareceram novas propostas?
  • Zylbersztajn: Sim, dentro de dez dias tenho um encontro com um fundo americano especializado em injetar dinheiro em empresas em recuperação. A Continental Airlines se recuperou assim. Esses fundos podem vir a financiar um investidor nacional.
  • Época: Como será o plano de recuperação?
  • Zylbersztajn: Ainda estamos estudando. Não há muitas referências. De qualquer forma, será um plano que precisará do aval dos credores.
  • Época: A Fundação Ruben Berta sairá do circuito?
  • Zylbersztajn: Só entramos no conselho com a condição de que a fundação vendesse o controle. No passado, vários planos malograram porque, no fim, a fundação recuava. Não vamos e não queremos ficar com a Varig.

Matéria publicada em 27/06/2005, na Revista Época.